Esse passado obscuro, somado a uma carreira promissora no setor hoteleiro, manteve Kai longe da Alemanha por mais de 30 anos.

Ele se casou, viajou pelo mundo e morou alguns anos nos EUA, evitando sempre voltar para o lar que não existia mais.

“Isso teve a ver com o divórcio dos meus pais, e com a falta de um lar. Muitas pontes foram queimadas, e meu relacionamento com a minha mãe era muito difícil. Não queria levar minha família para essa dinâmica familiar desestruturada.”

Durante esses 30 anos, Kai nunca falou com o pai.

“Depois do divórcio, meu pai simplesmente desapareceu. O motivo é que ele traiu minha mãe, ele tinha outra pessoa. Ele mudou de nome, e só quase 30 anos depois, quando voltamos para a Alemanha, que o telefone tocou.”

“Não reconheci o número. Perguntei quem era, e ele disse: ‘Seu pai’.”

Kai afirma que, por mais difícil que tenha sido saber o que havia acontecido durante todo esse tempo, ouvir a voz do pai novamente era uma oportunidade que ele queria aproveitar.

“Quando ele me ligou, eu queria ter ficado irritado com esse homem. Queria dizer a ele: ‘Como você pode nos amar se passou 30 anos sem se comunicar? Mas ele havia encontrado uma nova esposa, e eles tinham filhos e uma nova família.”

“Me senti mal, mas pensei: Quer saber, ele é meu pai, e eu o amo. É um homem idoso agora, está na faixa dos 80 anos, vamos construir um relacionamento.”

Regresso a Auschwitz

A forca em que Rudolf Höss foi executado
Kai e Hans visitaram Auschwitz durante a gravação do documentário A Sombra do Comandante — e viram o local onde Rudolf Höss foi executado

Na tentativa de confrontar seu passado, Kai e o pai de 87 anos, Hans Jürgen Höss, decidiram fazer parte do documentário A Sombra do Comandante e contar sua história.

No filme, que estreou no Festival de Cinema de Sedona, nos EUA, os dois são confrontados com o trauma intergeracional causado pelas ações de Rudolf Höss ao conhecerem uma das vítimas de Auschwitz.

“O mais poderoso para mim, o que tocou meu coração, foi conhecer essa mulher de 90 anos, que sofreu no campo de concentração, e ela estar em nossa casa, tomar um café conosco, e vê-la sorrir.”

“Perceber que existe reconciliação, compreensão, perdão, amor. Sim, isso pode ser alcançado.”

Além disso, Kai e Hans visitaram Auschwitz.

“Naquela semana, fiquei com o coração partido. Chorei todos os dias em momentos diferentes. Ao ver esta fábrica, esta coisa que meu avô criou para exterminar pessoas.”

“Gravamos nas plataformas onde chegavam os trens com judeus de toda a Europa, eles eram transportados como gado para Auschwitz, alguns morreram devido às condições da viagem.”

“É uma das marcas mais profundas que ficaram no meu coração.”

Entrada de Auschwitz
Legenda da foto,A Polônia transformou o campo de Auschwitz em um museu em 1947 — e, em 1979, o local foi declarado patrimônio mundial da Unesco

Ainda mais dolorosa foi a experiência de Hans, que leu pela primeira vez trechos do livro do pai e visitou o local onde ele foi levado à forca, condenado por seus crimes contra a humanidade.

“Você podia vê-lo chorando”, lembra Kai sobre a visita do pai a Auschwitz.

“Ele estava parado ali em silêncio com seu andador, e disse algo como: ‘Meu pai recebeu a punição justa por seus crimes’.”

Kai diz que já conversou sobre os crimes cometidos pelo avô com seus dois filhos, de 12 e sete anos, e espera manter o diálogo aberto com eles no futuro, porque acredita que é importante manter viva a experiência do Holocausto para evitar que aconteça novamente.

“Temos que fazer com que as crianças fiquem tão comovidas que saiam da sala dizendo: ‘Isso é a coisa mais triste, mais terrível, temos que fazer o que for preciso para garantir que isso nunca mais aconteça’.”

*Esta reportagem foi adaptada a partir de uma entrevista concedida à apresentadora Jo Fidgen do programa de rádio Outlook, da BBC, com produção de Julian Siddle. Ouça aqui (em inglês) a íntegra do programa.