PF indicia Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e outras 34 pessoas por tentativa de golpe de Estado e organização criminosa
A Polícia Federal (PF) indiciou Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas por suspeita de uma tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente no poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre os indiciados também estão o general Walter Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa derrotada com Bolsonaro em 2022, e o general Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo de Bolsonaro.
O relatório final com a conclusão da investigação foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e acusa os indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
O indiciamento é quando a polícia formaliza, em um inquérito, que há indícios suficientes de que alguém foi autor de um crime para que a pessoa se torne réu em um processo penal.
Agora, caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Paulo Gonet, avaliar as provas apresentadas e decidir se formaliza uma denúncia contra os acusados.
Havendo denúncia por parte da PGR, caberia ao STF decidir se prossegue com uma ação, conforme explicamos nesta reportagem.
Segundo a assessoria do STF, o inquérito da PF — que está sob sigilo — está neste momento sendo analisado pelo relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, que deve encaminhá-lo para a PGR na próxima semana.
Os indiciamentos ocorrem dois dias depois de uma operação da PF que prendeu cinco pessoas suspeitas de tramarem um golpe e o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes.
Sobre as revelações desta quinta-feira, a PF diz ter obtido provas ao longo da investigação, que já dura quase dois anos, por meio da quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração
premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas autorizadas pelo poder Judiciário.
As investigações apontaram que os investigados se estruturaram por meio de divisão de tarefas entre diferentes grupos:
a) Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
b) Núcleo Responsável por Incitar Militares à Aderirem ao Golpe de Estado;
c) Núcleo Jurídico;
d) Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;
e) Núcleo de Inteligência Paralela;
f) Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas
O indiciamento de Bolsonaro junto com dezenas de outras pessoas corrobora a avaliação de analistas ouvidos pela BBC News Brasil, com base nas informações que vieram à público até agora, que o país esteve “muito perto de um golpe” em 2022.
Com a entrega do relatório, a PF encerrou as investigações do caso.
Bolsonaro ainda foi indiciado em outras duas investigações neste ano, no caso das joias e da suspeita de fraude em seu cartão de vacinação.
O ex-presidente também foi condenado pela Justiça eleitoral e está inelegível.
Todos os indiciados
A PF confirmou indiciamento de 37 pessoas, todas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa:
- Ailton Gonçalves Moraes Barros
- Alexandre Castilho Bittecourt da Silva
- Alexandre Rodrigues Ramagem
- Almir Garnier Santos
- Amauri Feres Saad
- Anderson Gustavo Torres
- Anderson Lima de Moura
- Angelo Martins Denico
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira
- Bernardo Romão Correa Netto
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
- Carlos Giovani Delevati Pasini
- Cleverson Ney Magalhães
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
- Fabrício Moreira de Bastos
- Filipe Garcia Martins
- Fernando Cerimedo
- Giancarlo Gomes Rodrigues
- Guilherme Marques de Almeida
- Hélio Ferreira de Lima
- Jair Messias Bolsonaro
- José Eduardo de Oliveira e Silva
- Laercio Vergilio
- Marcelo Bormevet
- Marcelo Costa Câmara
- Mario Fernandes
- Mauro Cesar Barbosa Cid
- Nilton Diniz Rodrigues
- Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
- Rafael Martins de Oliveira
- Ronald Ferreira de Araujo Junior
- Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros
- Tércio Arnaud Tomaz
- Valdemar Costa Neto
- Walter Souza Braga Netto
- Wladimir Matos Soares
O que dizem os acusados
Na rede social X (antigo Twitter), Jair Bolsonaro disse aguardará ter acesso ao relatório da PF para se manifestar.
“Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”, disse Bolsonaro.
O ex-presidente criticou ainda a conduta do ministro Alexandre de Moraes, do STF e disse apostar em decisão da PGR.
“O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei”, acusou Bolsonaro.
“Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta.”
O advogado de Braga Netto, Luís Henrique César Prata, disse em nota seu cliente “repudia veementemente, e desde logo, a indevida difusão de informações relativas a inquéritos, concedidas ‘em primeira mão’ a determinados veículos de imprensa em detrimento do devido acesso às partes diretamente envolvidas e interessadas”.
“A Defesa aguardará o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado”, disse Prata no comunicado.
Senador pelo PL e líder da oposição na Casa, Rogério Marinho declarou em nota que o indiciamento de Bolsonaro e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e demais pessoas “não só era esperado como representa sequência a processo de incessante perseguição política ao espectro político que representam”.
“Espera-se que a Procuradoria-Geral da República, ao ser acionada pelo Supremo Tribunal Federal, possa cumprir com serenidade, independência e imparcialidade sua missão institucional, debruçando-se efetivamente sobre provas concretas e afastando-se definitivamente de meras ilações”, escreveu Marinho, secretário-geral do PL.
Repercussão internacional
O indiciamento de Bolsonaro foi notícia na imprensa internacional.
O New York Times noticiou que “as acusações aumentam drasticamente os problemas legais de Bolsonaro e destacam a extensão do que as autoridades chamaram de uma tentativa organizada de subverter a democracia do Brasil”.
O jornal espanhol El País noticiou que “ao longo do seu mandato, Bolsonaro abraçou um discurso que flertava repetidamente com a ameaça de ruptura democrática”.
Na França, o Le Monde noticiou o caso, incluindo o pronunciamento do ex-presidente em sua conta no X, tendo como alvo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
“Jair Bolsonaro acusou o juiz de agir fora “da lei”. O juiz Alexandre de Moraes “faz tudo o que a lei não manda”, escreveu o ex-presidente no X”.
Confira aqui a repercussão completa.
Planejamento de golpes
Por estar sob sigilo, ainda não está claro quais episódios foram incluídos no inquérito da PF — por exemplo, não se sabe se os atos violentos do 8 de janeiro de 2023, realizados por apoiadores de Bolsonaro após a derrota para Lula, fazem parte.
A PF avançou esta semana em outra frente de investigação sobre planos golpistas.
Jornais internacionais classificaram as revelações como as mais sérias e extensas trazidas à tona até o momento.
Cinco pessoas foram presas, incluindo quatro militares do Exército (Mario Fernandes, Helio Ferreira Lima, Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira ) e um policial federal (Wladimir Matos Soares).
Eles eram conhecidos como “kids pretos”, gíria normalmente usada para nomear militares que atuam em missões especiais.
Um documento encontrado nos arquivos de Mario Fernandes planejava a criação de um “gabinete institucional de gestão da crise” que entraria em operação em 16 de dezembro de 2022, em meio às mortes de autoridades e ao golpe para assumir o poder.
Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante a presidência e atualmente é delator, também teria participado desses planos.
Na terça, a PF havia apontado inconsistências em depoimento de Mauro Cid, já que a descoberta do plano de golpe pelos “kids pretos” se deu a partir de conversas encontradas no celular do delator.
Coube ao STF avaliar se a o acordo de delação seria mantido após os problemas apontados pela PF. Nesta quinta-feira (21/11), o ministro Alexandre de Moraes decidiu manter o acordo.
“O ministro considerou que o colaborador esclareceu as omissões e contradições apontadas pela Polícia Federal. Assim, as informações apresentadas por Mauro Cid na colaboração seguem sob apuração das autoridades competentes”, diz uma nota do STF.
Nesse contexto de radicalização, na semana passada, um homem que já se candidatou pelo PL, Francisco Wanderley Luiz, morreu na Praça dos Três Poderes após lançar explosivos contra o STF e deitar sobre um artefato que explodiu em seguida.
Em postagens nas redes sociais, o homem atacava o STF e pedia urnas auditáveis — uma demanda frequente entre apoiadores de Bolsonaro.