Anfitrião do papa Francisco no Brasil se prepara para 1º conclave e diz o que espera do próximo pontífice
Arcebispo do Rio de Janeiro desde 2009, o cardeal Orani João Tempesta, monge cisterciense nascido em São José do Rio Pardo, no interior paulista, não figura nas listas de papáveis no conclave que deve ocorrer nos próximos dias.
Mas nenhum de seus oponentes viveu a experiência que para ele foi um grande mérito: ter sido o anfitrião do papa Francisco na primeira viagem de seu pontificado.
Quando Francisco visitou o Rio de Janeiro em julho de 2013, para a Jornada Mundial da Juventude que ocorreu ali, o papado do argentino tinha um frescor que exalava novidade.
A espontaneidade e o carisma do recém-eleito papa impressionavam um mundo que estava acostumado com uma certa sisudez do Vaticano.
Confortavelmente acomodado em uma sala do Colégio Pio Brasileiro, organização religiosa mantida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que se autointitula “um pedacinho do Brasil em Roma”, ele atendeu à reportagem da BBC News Brasil por chamada de vídeo no fim da tarde de quinta-feira (24/4).
Frisou que não se vê como aspirante ao posto máximo da Igreja e lembrou-se com carinho da convivência com Francisco.
Pareceu medir cuidadosamente as palavras quando perguntando sobre o perfil que imagina ser o ideal para um papa no mundo contemporâneo.
Mas deixou claro que espera uma continuidade, ou seja, alguém alinhado ao perfil deixado pelo religioso argentino que morreu na última segunda (21/4).
Caçula de nove filhos, Tempesta ingressou no mosteiro de Nossa Senhora de São Bernardo, em sua cidade natal, São José do Rio Pardo, em 1968. Ele tinha 17 anos.
Em 1974 foi ordenado sacerdote. Tornou-se bispo em 1997, nomeado por João Paulo 2º (1920-2005). Assumiu a arquidiocese do Rio, uma das mais importantes do Brasil, em 2009.
Foi Francisco quem o elevou ao cardinalato, em fevereiro de 2014. Para muitos, ali estava um gesto de gratidão do argentino pelos momentos felizes vividos em sua primeira viagem internacional, no Rio.
Nos próximos dias, Tempesta, que completa 75 anos em junho, participará de seu primeiro conclave.
BBC News Brasil – Como estão os preparativos para o conclave?
Tempesta – No primeiro momento, é oração pelo repouso do Santo Padre [o papa Francisco]. […] Rezamos muito para que Deus acolha sua alma no céu e sabemos que temos uma grande missão [a continuar], a questão dos pobres e a simplicidade de Francisco, a proximidade com as pessoas, a preocupação com a ecologia, com o meio ambiente, com nossa casa comum, a preocupação também com o diálogo interreligioso, ecumênico, com a paz no mundo, com as guerras que estamos vivendo… Enfim, tanta coisa…
Por isso deixamos nossos compromissos no Rio de Janeiro e viemos logo no dia seguinte para cá, para Roma. Participamos da segunda e da terceira congregação [as reuniões que os cardeais realizam sistematicamente neste período]. […]
É a primeira vez que participo de um conclave, fui criado cardeal já pelo papa Francisco. É sempre um momento de orar, de pedir a Deus, já que em nossas mãos, em nosso grupo, está uma grande responsabilidade: a de eleger o que Deus escolheu para papa, a presença da Igreja na sociedade, no mundo, uma referência no mundo, não só para a Igreja, para a sociedade. […]
Aos poucos [nas congregações], começamos a falar um pouquinho sobre as preocupações maiores da Igreja no mundo de hoje. Mas tudo ainda está no início.
Na verdade, as coisas vão acontecendo aos poucos.
BBC News Brasil – No mundo de hoje, quais seriam as características ideais de um papa? Que papa a Igreja precisa ter?
Tempesta – Eu creio que [o modelo é] aquilo que o papa Francisco viveu em suas viagens, encontros e acolhida. E realmente é o que tem de ser levado para a frente como um legado: esse diálogo com a sociedade, com as culturas, com os países, o diálogo com o mundo que está aí, o diálogo interreligioso ecumênico, ou seja, a Igreja presente na sociedade. Papa Francisco deu esse belo exemplo.
Assim foi sua vida. Ao mesmo tempo, trabalhando com a Igreja. Ao falar para o mundo inteiro, que a Igreja possa cada vez mais viver a sua missão cristã, ser aquela que transmite com Jesus Cristo o mundo de hoje.
A gente sabe muito bem que a visão do papa não é só dentro da Igreja, mas é uma missão que transmite muros e vai muito mais para longe.
Sem dúvida, [precisamos de] alguém que trabalhe intensamente pela Igreja, para a missão evangelizadora, para a caminhada eclesial e, depois, também que tenha essa preocupação de poder ser uma presença, uma referência para o mundo.
Nesses aspectos, o papa Francisco sempre viveu intensamente. Acho que esse mesmo ritmo vai ser levado para a frente pelo seu sucessor.

BBC News Brasil – Vivemos em um contexto geopolítico que tem Donald Trump, Vladimir Putin, guerras, polarização e extremismos. Qual será o papel do futuro papa neste mundo tumultuado?
Tempesta – O papel de continuar pedindo pela paz no mundo, para o entendimento entre os povos. É a missão da Igreja.
A Igreja sempre teve essa missão, de ir além de seu trabalho interno, poder ser a Igreja em saída e tratar também das preocupações com o mundo todo, já que o papa é uma liderança mundial e tem essa grande responsabilidade de pedir, de falar nas suas homilias, que são ouvidas mundo afora, que o mundo só tem a perder com as guerras, que nós somos chamados a dar as mãos como irmãos e irmãs uns dos outros. […]
As políticas variam, por exemplo, o grupo comandando a política no país A, B ou C, amanhã tem outro ao contrário, mas a Igreja tem uma doutrina, tem Jesus Cristo que nos faz conviver com todos, em todas as áreas e regiões, com o coração aberto. […]
Somos chamados a conviver em todas as várias questões, com todos os políticos que têm seus interesses e seus pensamentos, cumprindo bem a nossa missão: conviver, exortar, falar e levar adiante tudo o que o evangelho nos ensina, que somos irmãos, somos chamados a viver em paz, a ajudar o mundo a ser melhor e progredirmos todos juntos para o bem de todos.
BBC News Brasil – O senhor se vê como o futuro papa?
Tempesta – Não, claro que não. Acho que vou pedir a ação do Espírito Santo para poder escolher algum nome [para votar], vou escutar meus irmãos cardeais que vão falando suas grandes preocupações e realmente pedir a ação do Espírito Santo para que eu escolha bem. Mas eu não estou na lista, não [dos papáveis], tranquilamente.
Quero voltar para casa e continuar minha vida lá no Brasil.