E se o Brasil tivesse que escolher entre China ou Estados Unidos, como diz Trump?
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se encontra nesta semana com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim.
Será o terceiro encontro oficial entre os dois desde que Lula assumiu o terceiro mandato, em janeiro de 2023.
E ao mesmo tempo em que o governo dos dois países tratam a viagem como uma oportunidade de aprofundar as parcerias entre os dois países, a visita de Lula à China acontece em meio a um contexto internacional de turbulência.
Estados Unidos e China estão em plena disputa por influência no mundo. O relatório anual da comunidade de inteligência dos Estados Unidos, divulgado neste ano, classificou a China como “a mais ampla e robusta ameaça militar à segurança nacional”.
E uma das regiões para onde as atenções estão se voltando nos últimos meses é a América Latina. Em abril, o presidente norte-americano Donald Trumpdisse em uma entrevista à versão em espanhol do canal Fox News que os países da região “talvez” tivessem que escolher entre os Estados Unidos ou a China.
“Talvez, de uma certa maneira. Foi o que o Panamá fez, é o que outros estão fazendo e, talvez, pensando em fazer. Talvez. Sim, talvez deveriam fazer isso (escolher entre China e Estados Unidos)”, disse Trump na entrevista.
O presidente norte-americano não explicou em detalhes o que significaria, na prática, um país da América Latina ter que escolher entre os Estados Unidos e a China, mas um dos panos de fundo da atual disputa entre Estados Unidos e China na América Latina é econômico.
A diferença, no entanto, é que os chineses têm um saldo positivo no comércio com a América Latina, enquanto os norte-americanos têm um saldo negativo, pois compram mais do que vendem.
Além da questão econômica, os norte-americanos vêm citando preocupações geopolíticas com o suposto aumento da presença chinesa na região. Um dos pontos de tensão mais recentes é o Canal do Panamá, cujo controle está com o Panamá, mas cuja influência chinesa foi questionada por Trump desde que assumiu seu segundo mandato.

A pressão norte-americana, aparentemente, deu resultado e o governo do Panamá anunciou que não iria renovar a parceria do país com a Iniciativa do Cinturão e Rota, um dos principais programas de investimento da China no exterior. Além disso, o grupo chinês que tinha a concessão de portos ao longo do canal vendeu suas operações a fundos norte-americanos.
Mas e se a pressão feita no caso panamenho chegasse ao Brasil? Será que o país teria que escolher entre Estados Unidos e China? E se chegasse: a quem o Brasil deveria se alinhar?
Autoridades e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o cenário em que o Brasil se veria obrigado a escolher entre um país e outro é remoto por diversos fatores. Entre eles está a tradição diplomática do Brasil, que evita alinhamentos automáticos, e o fato de que, do ponto de vista econômico, dificilmente os Estados Unidos teria condições de absorver o fluxo de exportações brasileiras que vai para a China.

Cenário remoto
As relações do Brasil com a China e os Estados Unidos têm históricos muito distintos.
O Brasil mantém relações diplomáticas com os Estados Unidos desde 1824, dois anos depois da proclamação da independência brasileira. Historicamente, os dois países tiveram momentos de maior proximidade e de distanciamento. A partir do final da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos passam o Reino Unido como principal parceiro comercial brasileiro e as relações entre os dois se aprofundam.
Com a China, no entanto, as relações diplomáticas são mais recentes. O Brasil retormou as relações com a China em 1974, ainda durante a Ditadura Militar. O movimento brasileiro seguiu a reaproximação conduzida pelo então presidente norte-americano, Richard Nixon, ao país asiático.
Nos anos 1980, o então presidente José Sarney fez uma visita ao país, mas é a partir dos anos 2000 que as relações entre os dois países se aprodundam.
Em 2004, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a China como uma economia de mercado. Em 2009, o país asiático passa os Estados Unidos e se torna o principal parceiro comercial do Brasil, posto que ocupa até hoje.
Apesar de Trump não ter explicado os termos da “escolha” entre Estados Unidos e China, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil descartaram que ele pudesse estar falando em um cenário de guerra aberta entre os dois países. Isso ocorre por um motivo simples: China e Estados Unidos são potências nucleares e um conflito militar entre eles poderia levar a cenários catastróficos.
Os especialistas apontam, portanto, que o mais provável é que Trump se refira ao cenário de guerra comercial e política que vem se travando entre os dois países.
Trump, por exemplo, vem dando seguidas demonstrações de incômodo com a aproximação entre países do chamado Sul Global, como o Brasil e a China.
Em uma crítica direta aos BRICS, grupo de países fundado por Brasil, China, Rússia e Índia, Trump ameaçou tomar reagir se o bloco tentasse adotar mecanismos para diminuir a utilização do dólar nas transações internacionais. Essa é uma das propostas em discussão pelo grupo há alguns anos.
Trump não chegou a fazer ameaças diretas ao Brasil por conta de sua proximidade com a China, mas a ideia de que o Brasil se veja obrigado a escolher entre Estados Unidos ou China não é bem recebida entre diplomatas brasileiros, entre eles, ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor internacional da Presidência da República, Celso Amorim.
Em abril, ele disse à BBC News Brasil que esse tipo de escolha não se aplicaria ao Brasil.
“O Brasil não vai fazer essa escolha. Os Estados Unidos são muito importantes para nós e continuarão a ser. Queremos que eles continuem a ser. Mas outros países também são importantes. A China é, obviamente, mas outros países também, como a Índia e a União Europeia”.
Diplomata há mais de seis décadas, Amorim acompanhou diferentes momentos da política externa brasileira e reforça que, historicamente, o Brasil tenta evitar alinhamentos automáticos com potências.
As exceções ocorreram nos anos 1940, quando o Brasil, pressionado pelos Estados Unidos, aderiu ao bloco dos países Aliados e entrou na Segunda Guerra Mundial contra o Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão.
A outra exceção ocorreu entre 2019 e 2023, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que aderiu, publicamente, a um alinhamento ideológico e político aos Estados Unidos, à época comandado por Donald Trump.
Apesar de o período ter sido marcado por tensões entre o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e diplomatas chineses, o Brasil, no entanto, não desacelerou o seu fluxo comercial com o país asiático.
“Historicamente, o Brasil busca uma posição de neutralidade e busca a posição de buscar relações benéficas e construtivas com todos os parceiros do mundo”, diz à BBC News Brasil o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil entre 2007 e 2011, Welber Barral, que hoje atua como consultor internacional para empresas com negócios em diversos países, inclusive a China.
“Miopia” de Trump
Para Barral, a ideia proposta por Trump, de que os países da América Latina teriam que escolher entre Estados Unidos ou China, é “míope” e não se aplicaria ao Brasil. O país não mantém acordos de livre comércio com nenhum dos dois, e ambos são considerados essenciais para a saúde da economia brasileira.
“Essa frase é míope porque você não pode obrigar os países a fazerem essa escolha. Os países têm interesses divergentes ou diferentes. [No caso do Brasil] , ninguém vai comprar as exportações agrícolas brasileiras como a China compra”, diz Barral à BBC News Brasil.
De fato, os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) comprovam que, atualmente, a participação da China nas exportações brasileiras dificilmente poderia ser substituída, no curto prazo, por outros países. Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos.
De acordo com os dados oficiais, em 2024, o Brasil exportou US$ 94 bilhões para a China. A maior parte desse volume é composta por commodities agrícolas como soja, minério de ferro e petróleo.
Em favor da China, pesa ainda o fato de que o saldo entre exportações e importações é positivo para o Brasil. A diferença entre o que o Brasil vende e o que Brasil compra da China foi de US$ 30 bilhões.
Com os Estados Unidos a situação é diferente. Em 2024, o Brasil exportou US$ 40,3 bilhões e importou US$ 40,6 bilhões, o que gerou um déficit de US$ 300 milhões em favor dos norte-americanos.
Por outro lado, Barral também descarta um alinhamento brasileiro integral à China.
Segundo ele, enquanto as exportações para a China beneficiam setores como o agronegócio, com forte impacto sobre a economia do interior do país, as exportações para os Estados Unidos beneficiam setores como a indústria, com forte impacto nas áreas urbanas do Brasil.