Morre Sebastião Salgado, o escritor da fotografia
Ele fotografou trabalhadores, indígenas e paisagens colossais, percorreu dezenas de países e marcou como poucos a fotografia do novo milênio. Aos 81 anos, fotógrafo brasileiro parou de contar histórias com sua lente.
Se no princípio a pobreza, a guerra e o deslocamento foram os principais motivos que caracterizaram as fotografias em preto e branco de Sebastião Salgado, mais tarde, o fotógrafo documental brasileiro transformou sua obra numa homenagem colossal ao planeta.
E explicou também o caráter narrativo de sua obra: “Eu escrevo com a máquina fotográfica, é a língua que escolhi para me exprimir”, disse certa vez. “De alguma forma, meu ponto de vista – muito focado no social e na comunidade – não é muito diferente dos conceitos básicos da maioria das religiões. Leva tempo, e muito, para compor uma narrativa coerente: você não tira uma foto. Você constrói uma história. Afinal, acho que fotógrafos documentais são pessoas que gostam de contar histórias.”
Nesta sexta-feira (23/05), o homem que elevou a fotografia documental ao pedestal artístico morreu, aos 81 anos.
Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu em 8 de fevereiro de 1944 em Conceição do Capim, distrito do município de Aimorés, no Vale do Rio Doce, na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo.
Filho caçula com mais sete irmãs, o “Tião” ‒ como era chamado pelos mais antigos ‒ foi um menino “muito levado e ativo”, disse uma vez sua irmã mais velha, acrescentando que seu pai queria que o único filho fosse advogado.
Salgado chegou a cursar um ano de direito, antes de se formar em economia, em Vitória. Dali, seguiu com uma bolsa de pós-graduação para a USP, onde conheceu a esposa, a arquiteta Lélia Wanick. Em 1969, durante a ditadura militar, Salgado se mudou para Paris e escreveu sua tese de doutorado em Ciências Econômicas.
Pouco tempo depois, em 1971, passou a trabalhar para a Organização Internacional de Café (OIC) e a fazer viagens à África. Foi no continente africano que Sebastião Salgado descobriu sua paixão pela fotografia e a possibilidade que esse meio lhe proporcionava de retratar, mais do que textos e estatísticas, a realidade socioeconômica da região.
Mais tarde, ele viria a falar sobre seu trabalho: “Nossa história é a história da comunidade, não da individualidade. Esse é o ponto de vista da minha fotografia e o ponto de partida de todo o meu trabalho.”
Ao retornar a Paris em 1973, ele deu início à carreira de fotojornalista. Como freelancer, Salgado trabalhou durante a década de 70 para as agências Gamma, cobrindo a Revolução dos Cravos em Portugal e a guerra civil em Angola e Moçambique, e Sygma, que o enviou para dezenas de países na Europa, África e América Latina.
Em 1979, passou a fazer parte da lendária agência Magnum Photos, cooperativa fundada por alguns dos fotógrafos mais célebres do século 20, como Robert Capa e Henri Cartier-Bresson. Dois anos depois, ele foi encarregado pela Magnum de cobrir os cem primeiros dias do governo de Ronald Reagan.
Salgado capturou em sua lente um fato que iria mudar sua vida: o atentado a tiros contra o então presidente americano em 30 de março de 1981. Essas imagens correram o mundo e lhe proporcionaram financiar seus primeiros projetos pessoais.
Ao contrário dos fotógrafos de “notícias”, Salgado preferiu não correr atrás de eventos atuais imediatos, mas ir aonde nada acontece, exceto a persistência de uma situação, crítica ou simplesmente peculiar. Muitos desses projetos e seus volumes de fotos foram criados em cooperação com organizações como Médicos Sem Fronteiras, Unicef, Unesco e Repórteres Sem Fronteiras.
Depois de seis anos documentando em preto e branco as populações rurais e indígenas na América Latina, Salgado lançou em 1986 seu primeiro livro de fotografias: Outras Américas. No mesmo ano, ele também publicou Sahel: O Homem em Pânico, onde retrata os refugiados da seca e o trabalho dos voluntários na região semiárida do Sahel, ao longo de Etiópia, Sudão, Chade e Mali.
Entre 1986 e 1992, ele viajou por um total de 23 países como parte de um projeto de longo prazo focado nas lutas dos trabalhadores manuais e no questionamento do desequilíbrio econômico entre países ricos e pobres.
O livro de fotografias resultante – Trabalhadores: Uma arqueologia da era industrial – destacou as duras condições de trabalho nas lavouras de cana ou no formigueiro humano nas minas de ouro de Serra Pelada, no Brasil; nas plantações de chá em Ruanda; na construção de uma barragem na Índia ou nos poços de petróleo no Kuwait.
Essas fotografias em preto e branco lhe renderam fama mundial e a exposição relacionada Trabalhadores foi exibida em mais de 60 museus. Em 1994, Salgado montou com sua esposa a própria agência para distribuir suas fotos: Amazonas images.
E foi o próprio fotógrafo quem explicou sua opção pela fotografia em preto e branco: “Nada no mundo é em branco e preto. Mas o fato de eu transformar toda essa gama de cores em gamas de cinza me permitiu fazer uma abstração total da cor e me concentrar no ponto de interesse que eu tenho na fotografia. A partir desse momento, eu comecei a ver as coisas realmente em branco e preto.”
De 1993 a 1999, o fotógrafo voltou sua atenção para o fenômeno global de deslocamento em massa de pessoas, que resultou em Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo. Ambos foram publicados em 2000 e alcançaram sucesso mundial. Na época, esses livros chamaram atenção para o desalojamento de 30 milhões de pessoas em todo o mundo. Quando essas obras foram republicadas em 2016, o número mundial de refugiados já havia aumentado para 60 milhões.
Esse projeto, no entanto, abalou seriamente a saúde do fotógrafo, que decidiu parar um tempo com a fotografia. Em entrevista, Salgado afirmou sobre esse período: “Estava acabado. Passei sete anos fotografando refugiados fugindo de guerras. Nos campos de refugiados do Congo, em Goma, em 1994, 12 mil ruandeses morriam por dia. Eu estive ali. O que vi em Ruanda foi tão brutal que abandonei a fotografia.”