PGR pede condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe e pena pode chegar a 43 anos de prisão
Revista Fórum – Paulo Gonet, em manifestação enviada ao STF, pede ainda que os outros 7 réus do chamado “núcleo crucial” da trama golpista sejam condenados; julgamento deve ocorrer em setembro.
A Procuradoria-Geral da República (PGR)apresentou nesta segunda-feira (14) suas alegações finais no âmbito da ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado liderada por Jair Bolsonaro. No documento, entregue ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral Paulo Gonet pede a condenação do ex-presidente pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
As penas máximas somadas dos crimes atribuídos a Bolsonaro podem chegar a 43 anos de prisão, conforme prevê a legislação penal brasileira. Segundo Gonet, Bolsonaro foi o líder da articulação que tentou reverter, à força, o resultado das eleições de 2022, que consagraram Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República.
“A cooperação entre si dos denunciados para esse objetivo derradeiro, sob a coordenação, inspiração e determinação derradeira do ex-presidente da República denunciado, torna nítida a organização criminosa, no seu significado penal”, afirma o chefe do Ministério Público Federal.
A peça da PGR também pede a condenação de outros sete réus, todos nomes próximos ao ex-presidente, apontados como parte do “núcleo crucial” da conspiração: o deputado federal Alexandre Ramagem, os ex-ministros Augusto Heleno, Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Todos respondem por crimes semelhantes aos de Bolsonaro e podem pegar penas superiores a 40 anos, dependendo da conduta individual.
“Ainda que nem todos tenham atuado ativamente em todos os acontecimentos relevantes na sequência de quadros em que se desdobraram as ações contra as instituições democráticas, todos os denunciados colaboraram, na parte em que lhes coube em cada etapa do processo de golpe, para que o conjunto de acontecimentos que compõem os crimes denunciados ganhasse realidade, entrosando-se numa concordância de sentido e finalidade”, diz Gonet no parecer enviado ao Supremo.
Confissão
Segundo a PGR, Jair Bolsonaro confessou a tentativa de golpe ao admitir, durante interrogatório no STF, que discutiu com militares “possibilidades jurídicas” para impedir a posse de Lula. Para Gonet, esse comportamento configura tentativa de subverter a ordem constitucional por meios autoritários:
“A fala de Jair Bolsonaro [em interrogatório] consiste em clara confissão de seu intento antidemocrático, uma vez que o inconformismo com medidas judiciais jamais poderia servir de fundamento para a cogitação de medidas autoritárias.”
As reuniões relatadas ocorreram entre os dias 7 e 14 de dezembro de 2022, dentro do Palácio da Alvorada, com presença de altos oficiais das Forças Armadas. Em um desses encontros, o ex-presidente teria lido os “considerandos” de uma minuta de decreto golpista que previa a prisão de ministros do STF, anulação das eleições e a criação de um “conselho eleitoral” paralelo.
“A própria ambientação da reunião revelou seu caráter conspiratório: dentro do Palácio da Alvorada, com assessores militares, o então presidente leu os ‘considerandos’ de um decreto que previa a prisão de ministros e a anulação das eleições”, registrou Gonet.
Os crimes atribuídos a Bolsonaro: 43 anos de prisão
A Procuradoria-Geral da República atribui a Jair Bolsonaro cinco crimes distintos, todos relacionados à tentativa de subversão do regime democrático e uso da máquina pública para fins autoritários. Caso condenado por todos eles, a pena do ex-presidente pode chegar a 43 anos de prisão. Veja a seguir os crimes descritos pela PGR e suas respectivas penas máximas:
- Organização criminosa armada (art. 2º, §4º, II da Lei 12.850/2013):
De 3 a 8 anos de prisão, podendo chegar a 17 anos com agravantes, por ter liderado estrutura ordenada, armada e voltada à prática de crimes contra a democracia.
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal):
De 4 a 8 anos de prisão. O crime se configura quando alguém tenta, com violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito ou impedir o funcionamento dos Poderes constitucionais.
- Tentativa de golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal):
De 4 a 12 anos de prisão. Envolve tentativa de depor, por meio da força, o governo legitimamente constituído.
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União (art. 163, parágrafo único, II e III do Código Penal):
De 6 meses a 3 anos de prisão.
- Deterioração de patrimônio tombado (art. 62 da Lei 9.605/1998):
De 1 a 3 anos de prisão.
As penas poderão ser somadas, e a aplicação final dependerá de fatores como agravantes, antecedentes, idade, comportamento no processo e possibilidade de progressão de regime.
Segundo a PGR, Bolsonaro foi o mentor político e operacional da trama golpista, articulando reuniões com militares, lendo minutas golpistas, mobilizando órgãos públicos e “tentando subverter a ordem constitucional pela força”.
Mauro Cid
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, é réu colaborador no processo. A PGR reconhece que ele forneceu informações valiosas, mas critica omissões e inconsistências ao longo da colaboração. Em especial, Paulo Gonet cita a descoberta de que ele manteve comunicação ativa com Bolsonaro pelas redes sociais durante o período da delação, o que comprometeu sua credibilidade.
“Diante do comportamento contraditório, marcado por omissões e resistência ao cumprimento integral das obrigações pactuadas, entende-se que a redução da pena deva ser fixada em patamar mínimo. O Ministério Público sugere, na esteira dessa construção, a redução de 1/3 da pena.”
A PGR rejeitou qualquer pedido de perdão judicial ao delator:
“Esses benefícios exigem colaboração efetiva, integral e pautada pela boa-fé, requisitos não plenamente evidenciados no presente caso.”
Julgamento previsto para setembro
A entrega das alegações finais pela PGR marca a última etapa antes do julgamento pela Primeira Turma do STF. A expectativa é que a sessão ocorra em setembro. Além de Alexandre de Moraes, fazem parte do colegiado os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.
Mesmo durante o recesso de julho, os prazos processuais seguem válidos, já que um dos réus, o general Braga Netto, permanece preso. Após as manifestações da defesa, Moraes apresentará seu voto e liberará o caso para julgamento.
Ao fim do parecer, a PGR afirma de forma contundente:
“Constitui afronta ao bem jurídico protegido pela legislação penal a ação do governante que, investido legitimamente no poder, tenta, adiante, subvertê-lo pela força.”