Trump manda e órgão dos EUA abre investigação contra o Brasil que mira até Pix e Rua 25 de março
Revista Fórum – Investigação comercial, a mesma que já foi usada contra a China, visa retaliar o Brasil não apenas com tarifas, mas também com sanções mais severas; entenda.
A mando direto de Donald Trump, o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR) abriu, nesta terça-feira (15), uma investigação comercial contra o Brasil com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974. Trata-se do mesmo instrumento jurídico utilizado na guerra tarifária contra a China em 2018. A medida abre caminho para novas sanções comerciais, como tarifas, cotas e barreiras regulatórias, e se soma à já anunciada tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras aos EUA.
Em comunicado oficial, o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, afirmou: “Sob o comando do presidente Trump, estou iniciando uma investigação sobre os ataques do Brasil às empresas de mídia social americanas e outras práticas comerciais injustas que prejudicam empresas, trabalhadores e inovadores dos EUA”.
A motivação da ofensiva comercial, no entanto, vai além de qualquer disputa econômica. Em comunicado anterior, Trump acusou o Brasil de promover uma “perseguição política” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu aliado pessoal, e justificou a retaliação comercial como resposta a essa suposta injustiça. O presidente estadunidense mencionou nominalmente a situação jurídica de Bolsonaro ao anunciar o tarifaço e determinou que o USTR abrisse a investigação. A ofensiva é, claramente, uma tentativa de interferência direta nos assuntos internos do Brasil, com o objetivo de pressionar as instituições brasileiras, desgastar o governo Lula e livrar Bolsonaro da prisão.
Ao anunciar a abertura da investigação, o USTR lista supostas práticas comerciais “injustificáveis, desleais ou discriminatórias” adotadas pelo Brasil – sem, contudo, apresentar provas para sustentar as acusações. Ao longo de dezenas de páginas, o relatório se apoia em interpretações subjetivas, dados genéricos e argumentos amplos, sem indicar evidência clara de prejuízo direto às empresas ou trabalhadores dos Estados Unidos.
Até o Pix está na mira
Um dos pontos que mais chamam atenção no documento é a inclusão do Pix, sistema de pagamentos desenvolvido pelo Banco Central do Brasil, como exemplo de “prática desleal”. O relatório afirma que o Brasil “parece se envolver em uma série de práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo, entre outras, a promoção de seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”.
A acusação ignora o fato de que o Pix é uma política pública de inclusão financeira, usada gratuitamente por milhões de brasileiros e reconhecida internacionalmente por sua inovação. O texto não especifica de que maneira o sistema prejudicaria empresas estadunidenses, nem apresenta qualquer dado que sustente essa alegação.
O relatório também critica decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de tribunais brasileiros que exigem que redes sociais removam conteúdos ilegais ou golpistas, mencionando “ordens secretas” e “riscos à liberdade de expressão”. O documento afirma que essas determinações impõem “restrições a um amplo espectro de discursos, inclusive políticos” e que os EUA têm provas de que “executivos de empresas americanas foram ameaçados com prisão por não cumprirem ordens judiciais”.
Rua 25 de Março também é alvo
A tradicional Rua 25 de Março, em São Paulo, também é citada como exemplo de falha do Brasil em combater a pirataria. O documento afirma que a região “permanece há décadas como um dos maiores mercados de produtos falsificados” e que a fiscalização brasileira “não é seguida por penalidades suficientemente dissuasivas”.
Apesar de citar ações do poder público brasileiro, como operações policiais e apreensões, o relatório critica o que chama de “falta de interrupção de longo prazo dessas práticas comerciais ilícitas”, sem apresentar dados ou comprovações sobre impactos comerciais reais para os EUA.
Comércio com outros países e etanol
Outro alvo da investigação são os acordos bilaterais do Brasil com países como México e Índia, que reduzem tarifas em setores específicos. Segundo o USTR, essas tarifas “preferenciais e injustas” colocam os produtos dos EUA em desvantagem. No entanto, tais acordos são autorizados pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), e são prática comum no comércio internacional.
No setor de etanol, o relatório acusa o Brasil de aumentar tarifas para o produto norte-americano, que teriam chegado a 18% em 2024. Ainda assim, o próprio texto reconhece que o Brasil já havia zerado essas tarifas anteriormente. Entre 2018 e 2023, as exportações dos EUA para o Brasil caíram de US$ 761 milhões para apenas US$ 53 milhões – um dado citado sem considerar fatores de mercado ou variações cambiais.
Outros argumentos incluem o tempo de análise de patentes no INPI, que o relatório diz estar acima da média internacional, e a suposta ineficácia do Brasil em combater o desmatamento ilegal. O documento menciona que “até 91% do desmatamento pode ser ilegal” e aponta uso de trabalho forçado e fraudes no setor madeireiro, mas não cita os avanços recentes na fiscalização e a queda nos índices de desmatamento.
Tentativa de coerção política
A utilização da Seção 301 sem provas sólidas já havia sido criticada durante a guerra comercial contra a China, e o uso do mecanismo agora contra o Brasil é visto por especialistas como ainda mais frágil. Ao associar explicitamente o caso à situação de Jair Bolsonaro, Trump instrumentaliza a política comercial americana para pressionar um país soberano e influenciar seu sistema judicial.
O governo brasileiro poderá recorrer à Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso, para adotar medidas proporcionais contra os EUA. Também deve contestar a investigação em fóruns internacionais, como a OMC, diante da falta de fundamentos técnicos na iniciativa americana.
O que os EUA alegam para justificar a investigação contra o Brasil
Segundo o relatório do USTR, os pontos que motivaram a abertura da investigação são:
- Comércio digital e serviços de pagamento eletrônico: responsabilização de plataformas por conteúdo político e promoção do Pix como “vantagem desleal”.
- Tarifas preferenciais e injustas: acordos do Brasil com México e Índia em setores estratégicos.
- Aplicação de medidas anticorrupção: alegações de leniência e falta de transparência, sem citar exemplos específicos.
- Proteção à propriedade intelectual: pirataria na 25 de Março, demora na concessão de patentes e pirataria digital.
- Acesso ao mercado de etanol: aumento de tarifas de importação e queda nas exportações americanas.
- Desmatamento ilegal: uso de terras desmatadas para agricultura, denúncias de fraude e corrupção no setor madeireiro.