“Desdolarizar o dólar” ou desbolsonarizar o Brasil?
Por Raimundo Borges
O Imparcial – Ao assumir, em Belém, no domingo, 03/08, o palanque sobre um carro de som, rodeada por inflamados seguidores do marido, Jair Messias Bolsonaro — atualmente com os passos monitorados por tornozeleira eletrônica —, Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro enveredou, em seu discurso, por terrenos que não lhe parecem familiares: economia internacional, diplomacia e soberania brasileira — valores tão caros e permanentes a todos.
A ex-primeira-dama do Brasil incitou os gritos de “Lula ladrão”, vindos da plateia de extrema-direita, e teceu críticas às falas do presidente brasileiro sobre o BRICS. Segundo ela, Lula estaria “provocando” os Estados Unidos com a ideia de “desdolarizar o dólar”.
O que irritou Michelle foi o fato de Lula, ao falar sobre uma moeda alternativa ao dólar americano, supostamente estar “desrespeitando a autoridade do presidente Trump”. Lula, de fato, já irritou o ex-presidente estadunidense ao chamá-lo de “imperador do mundo”, quando este impôs um tarifaço de 50% sobre as importações brasileiras e, com outros valores, sobre o restante do planeta. Até as Ilhas Heard e McDonald — territórios a 4 mil km ao sudoeste da Austrália, habitados apenas por pinguins e focas — sofreram taxações de Trump. Isso virou, obviamente, piada mundial — mas não no bolsonarismo. Em ato na Avenida Paulista, Trump foi louvado como herói, e a bandeira de seu país foi levantada no lugar do pendão brasileiro.

Michelle acusa Lula de “desrespeitar a autoridade de Trump”, que já provoca enorme arregaço na economia do Brasil e teria interferido no Supremo Tribunal Federal, punindo Alexandre de Moraes e outros oito ministros, com sua fúria contra quem ousa desobedecê-lo.
Além dos danos econômicos ao Brasil, Trump também atinge os próprios EUA. Ironicamente, os negócios do agronegócio — fortemente bolsonaristas — foram duramente afetados. Mas a família Bolsonaro quer, acima de tudo, livrar o ex-presidente da prisão, anistiá-lo pela tentativa de golpe de Estado e torná-lo elegível para 2026, em um novo embate contra Lula pelo Planalto. Se os dois presidentes chegarem a se falar por telefone, o tema será exclusivamente o tarifaço, e não Bolsonaro.
Caso tal conversa entre Lula e Trump ocorra, antes haverá acertos sobre o teor das falas. O presidente brasileiro já afirmou que não falará sobre outro assunto que não seja o tarifaço. Mas Trump deve querer abordar a anistia a Bolsonaro, líder máximo da extrema-direita latino-americana, cujo processo no STF ele usou como pretexto para taxar as importações do Brasil. Ele está, também, preocupado com a “desdolarização do dólar” defendida pelo BRICS — proposta por Lula, China, Rússia e demais membros do bloco.
O petista considera tão urgente desdolarizar a moeda americana quanto “desbolsonarizar o bolsonarismo” no país.
Uma coisa é certa: sejam quais forem os desdobramentos do maior imbróglio em 200 anos de história das relações comerciais e diplomáticas Brasil–Estados Unidos, as eleições de 2026 estão no radar dos dois lados. Lula se apresenta como pré-candidato, e o PT nem cogita substituí-lo por outro nome. Já o bolsonarismo mergulha em uma crise de identidade: se vai lutar por anistiar Bolsonaro, apostar na substituição dele pelo filho Eduardo — fugitivo nos Estados Unidos —, aceitar Michelle ou deixar o clã de lado e optar por um dos governadores de direita: Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado ou Ratinho Júnior.
Não resta dúvida de que a sucessão presidencial de 2026 é muito mais urgente do que a “desdolarização do dólar” pelo BRICS, como verbalizou Michelle. Portanto, o clã bolsonarista aposta na intervenção direta de Trump no STF para anistiar Bolsonaro, banir Alexandre de Moraes e desmoralizar a Suprema Corte — mesmo que isso custe danos irreversíveis à economia e à soberania do Brasil.
Já o dólar só se tornou âncora internacional após a libra esterlina inglesa perder relevância com o fim da Primeira Guerra Mundial e, mais ainda, ao término da Segunda Guerra, quando os Estados Unidos se tornaram a grande potência econômica e tecnológica. Portanto, não será fácil para o BRICS criar outro sistema financeiro capaz de enfrentar a predominância do dólar americano.