6 de agosto de 2025
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Moraes sai ‘mais forte’ de crise com Trump, diz brasilianista

BBC – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes sairá com sua imagem fortalecida no cenário internacional após ter sido alvo de sanções dos Estados Unidos com base na Lei Magnitsky.

A avaliação é do especialista em Brasil Anthony Pereira, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green da Universidade Internacional da Flórida.

“Um dano colateral a Bolsonaro é justamente esse destaque a Alexandre de Moraes, que parece sair mais forte dessa crise.”

A punição é uma das severas disponíveis para Washington contra estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção, e deve dificultar o acesso do magistrado brasileiro a uma série de serviços financeiros e de tecnologia.

Pereira lembra que o próprio criador da Lei Magnitsky criticou a aplicação do dispositivo no caso do magistrado brasileiro, argumentando que a medida foi desenhada para punir violadores de direitos humanos e grandes corruptos, categorias em que, segundo ele, Moraes não se encaixa (leia a entrevista do executivo financeiro William Browder, que liderou campanha internacional pela aprovação da lei, à BBC News Brasil).

Pereira lembrou também de outro embate de Moraes que aconteceu no ano passado, com a rede social X e seu dono Elon Musk.

O magistrado havia determinado a suspensão do X no Brasil e iniciou uma disputa com o bilionário. A empresa inicialmente afirmou que não seguiria as determinações de Moraes, mas voltou atrás após pressões do mercado.

“Há um reconhecimento, em geral, de que algumas decisões de Moraes ultrapassam os limites. Ele tem uma tendência a decisões monocráticas. Mas, por outro lado, ganhou, por exemplo, a briga contra Elon Musk”.

Ele avalia que há hoje uma maior compreensão internacional sobre o direito de estados soberanos regularem redes sociais, o que tem aproximado Moraes da visão europeia sobre o tema.

“Mesmo nos EUA, onde a tradição da Primeira Emenda é muito mais forte do que na maioria dos países europeus, há impressões positivas sobre Moraes”, diz.

Veja a seguir trechos da entrevista.

Como essa disputa sobre tarifaço pode impactar a imagem do bolsonarismo no Brasil?

Veja este dado do Datafolha: 61% dos eleitores brasileiros dizem que não votam em quem prometer anistia ou indulto para Jair Bolsonaro. É ruim para o bolsonarismo.

Se fosse só algo mais preciso, como o uso da lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes, alguma coisa muito focada, o impacto seria diferente. Mas tarifas de 50% sobre produtos, que afetam inclusive estados que têm maioria apoiando Bolsonaro, é um bumerangue.

Eu não sei se Eduardo Bolsonaro e outras pessoas que pressionaram o governo Trump pediram explicitamente essa medida ou se simplesmente foi ideia da administração de Trump. Mas o efeito colateral é ruim para o bolsonarismo.

Pode fortalecer outros candidatos de direita no Brasil?

Tenho dúvida sobre se há, hoje, diferença entre centro-direita e bolsonarismo. Para uma figura como Tarcísio, é difícil distinguir.

Porque ele fala coisas positivas sobre o Bolsonaro e bolsonarismo, mas também diz que não é do bolsonarismo raiz.

Um possível efeito dessa briga na área de tarifas entre o Brasil e EUA seria ter uma centro-direita mais claramente contra Bolsonaro e Lula ao mesmo tempo.

Eduardo Leite, por exemplo, apostou nisso e falou contra Bolsonaro por essa razão.

Outros governadores estão mais silenciosos agora, mas isso pode mudar se novas pesquisas surgirem.

Como o posicionamento de Lula está sendo visto fora do Brasil?

Lula está sendo cuidadoso. Na entrevista à CNN, a entrevistadora Christiane Amanpour tentou puxar uma crítica mais dura contra os EUA. Lula disse que relação é muito importante para o Brasil.

Ele está consciente que tem de proteger interesses econômicos. Está caminhando nessa linha difícil, de defender soberania, mas não pode acelerar ou provocar mais retaliações.

Tem de tentar negociar. O problema, para Lula, é que há poucos canais para negociar algo. A demanda principal, sobre o processo contra Bolsonaro, é impossível. Um presidente brasileiro não pode intervir num processo judicial.

Para mim isso mostra a contradição dentro do governo Trump. Quando lançou as tarifas, era em nome do déficit bilateral de comércio. Mas não tem nada a ver com isso.

Talvez seja mais sensato para Lula continuar mantendo essa linha entre resistir e defender soberania, mas não criticar EUA como país ou parceiro comercial, porque a relação continua sendo importante.

Não é tão grande quanto o comércio com China, mas se vermos a qualidade das exportações do Brasil para os EUA, há uma qualidade maior, mais profunda. Menos commodities, peças da aviação, de automóveis, bens manufaturados.

Por que Trump decidiu mirar o Brasil especificamente?

Tem muito a ver com a obsessão do próprio Trump com ele mesmo. É basicamente sobre ele. Sobre as críticas ao que ele fez em 2021, insurreição, incentivos aos apoiadores atacar o Capitólio. É simplesmente uma projeção.

Duvido que ele esteja lendo os relatórios da Polícia Federal, lendo as decisões do Supremo, e realmente avaliando a culpabilidade do Bolsonaro. Ele simplesmente está projetando as críticas que ele recebeu por ações que ele fez e aplicando isso a Bolsonaro.

Também é pouco estratégico, na minha avaliação. Café, por exemplo, com tarifa de 50%, sendo que os EUA são um grande importador de café. Ele está criando problemas para as próprias empresas americanas. Ou vai passar preço alto para o consumidor ou tem de buscar outros produtores.

A presença do Brasil no mercado é impossível evitar totalmente. Ele está punindo o próprio consumidor e o próprio importador dos EUA.

Isso vem sendo um problema desde o início das tarifas. Parece que Trump não entende como tarifas funcionam.

Ele acha que a tarifa é um pagamento do exportador para os EUA, sendo que é um pagamento do importador. É pouco estratégico, não tem nada a ver com comércio e reflete como é caótico, improvisado e arbitrário o processo de fazer decisões na Casa Branca agora.

Trump se vê em Bolsonaro de alguma forma, vê algo em comum em suas trajetórias?

Trump tem afinidades com Bolsonaro, mas estou cético de que ele realmente se preocupa com Bolsonaro pessoalmente, que Bolsonaro seja importante para ele.

Ele tem essa tendência de pensar nele mesmo. E tem a tendência de que, se tem crise, e ele tem que jogar fora um aliado, um subordinado, ele joga essa pessoa sem escrúpulos.

Não há um trajetória de defender muitas pessoas perto dele. Se ver primeiro mandato dele, houve várias pessoas que eram assessores e ele descartou.

Veja, por exemplo, Bukele e Milei em América Latina. Parece que ele valoriza muito mais Viktor Orbán, húngaro, do que qualquer líder da América Latina.

No mundo em que Trump mora, a América Latina não é importante. É uma categoria que ele não valoriza.

Não sei se ele pessoalmente seria muito ligado a Bolsonaro ou investido pessoalmente no destino do Bolsonaro.

De repente Alexandre de Moraes passou a ser um nome conhecido internacionalmente. Como ele é visto de fora? Houve abusos em suas decisões?

Há um reconhecimento de que, em algumas decisões, talvez Moraes ultrapasse os limites. Ele tem uma tendência de ser muito monocrático, decisivo e às vezes excessivo.

Mas lembro também de vários comentários de quando ele ganhou a briga contra Elon Musk. Elon Musk pagou a multa, indicou um representante de X no Brasil.

É importante reconhecer o direito dos estados soberanos de regular a mídia social, regular tech. Há uma afinidade na União Europeia, por exemplo, com Alexandre de Moraes. Acho que há muitas pessoas com impressões positivas em relação a Alexandre de Moraes até nos EUA, onde temos tradição de Primeira Emenda muito mais forte do que maioria dos países na Europa, por exemplo.

Então esse dano colateral ao Bolsonaro, o outro lado da moeda, é esse destaque ao Alexandre de Moraes. Parece que ele está mais forte agora do que antes dessa crise.

E ele não tem bens nos EUA. Interessante lembrar que até o criador da Lei Magnitsky acha que a aplicação dessa lei não é justa, porque foi criada para violadores de direitos humanos e corruptos de larga escala. E ele não vê Alexandre de Moraes nessas categorias. Em geral, é outro exemplo de um efeito não antecipado desses ataques.

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