11 de agosto de 2025
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O que sucesso do ‘Pix da Índia’ revela sobre ofensiva de Trump contra o Pix brasileiro

O sistema de pagamentos instantâneos da Índia, o Unified Payments Interface (UPI), é anterior ao Pix brasileiro, maior, tem mais funcionalidades e também foi desenvolvido a partir de uma iniciativa do governos.

Ele tem ficado, entretanto, fora do escrutínio dos Estados Unidos na força-tarefa montada em torno do tarifaço de Donald Trump, enquanto o Pix é alvo de uma investigação comercial aberta pelo governo americano em 15 de julho e ainda em andamento.

O Pix foi colocado na lista de supostas práticas “desleais” que vêm sendo analisadas pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), que se refere a ele indiretamente no documento em que detalha a investigação como “serviço de pagamento eletrônico desenvolvido pelo governo”.

A medida ensejou comentários de figuras como o economista Paul Krugman, ganhador do prêmio Nobel, que elogiou o sistema brasileiro de pagamentos, e manifestações frequentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em defesa da plataforma.

A Índia chegou a ser penalizada na última semana pelos EUA com uma tarifa adicional de 25% — o que elevou a alíquota incidente sobre seus produtos ao mesmo patamar do Brasil, 50% —, mas o motivo foi a compra de petróleo da Rússia, país que é alvo de sanções americanas.

O UPI segue fora do radar do protecionismo da gestão Trump.

Nesse sentido, a BBC News Brasil conversou com especialistas em meios de pagamento e um analista de relações internacionais para entender as semelhanças e diferenças entre o modelo indiano e o brasileiro, comparação que pode lançar luz sobre as razões que levaram o governo americano a colocar o Pix em sua linha de tiro.

Pessoa segura celular com símbolo do Pix na tela
Banco Central é operador e regulador do Pix, modelo que não se repete na Índia

A origem do UPI

O Unified Payments Interface (UPI) surgiu em 2016, quatro anos antes do Pix existir no Brasil, com características parecidas: um sistema de pagamentos instantâneo, usado tanto para transferir recursos de pessoa para pessoa quanto para realizar compras, que funcionava 24 horas por dia, de forma gratuita e sem a necessidade do uso de dados bancários como número da conta e agência.

Ele foi parte de uma iniciativa em larga escala do governo indiano para promover a digitalização no país. Batizada de India Stack, o projeto incluiu o lançamento de um RG digital e até a desmonetização de boa parte das cédulas que circulavam no país, para desincentivar o uso de dinheiro físico.

O UPI foi desenvolvido por um consórcio de entidades financeiras (National Payments Corporation of India, NPCI) reunido por iniciativa do Banco Central da Índia.

Juntos, eles montaram a infraestrutura por trás da plataforma, que se tornou o principal meio de pagamento no país, respondendo hoje por 83% das transações digitais.

O dado é de um relatório divulgado em janeiro pelo Banco Central, que ressalta que o UPI “impulsionou a Índia à vanguarda no fornecimento de soluções de pagamento digital como um ‘bem público'”, abordagem que teria “potencial para ser replicada em outros países”.

Hoje cerca 500 milhões de indianos usam o serviço, conforme os números divulgados em julho pelo governo, e o sistema processa mais de 18 bilhões de transações por mês.

Close na mão de pessoa inserindo cartão RuPay em maquininha
Consórcio indiano também lançou cartão de crédito e débito, chamado de RuPay

Pagamento offline e comando de voz

Também por ter sido lançado primeiro, o UPI apresentou uma série de soluções que, com o tempo, foram sendo incorporadas pelo Pix.

A modalidade que permite que pagamentos recorrentes sejam feitos de forma automática, por exemplo. Recém-lançada no Brasil como Pix automático, ela existe no UPI desde 2020, observa Sulivan Rocha, especialista em meios de pagamentos que já trabalhou como consultor na área.

E há ferramentas que ainda não apareceram aqui no Brasil, como a possibilidade de realizar pagamentos offline (muito útil na Índia, por exemplo, para usuários de zonas rurais afastadas, onde o serviço de internet pode ser ruim) e por comando de voz.

Expansão internacional

Outra frente em que o UPI avançou primeiro foi na expansão internacional. Hoje, a plataforma pode ser acessada em locais como Butão, Nepal, Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Sri Lanka e França, resultado de acordos diretos da Índia com cada um desses países.

“Eles sempre foram muito vocais nisso, de que queriam criar um sistema internacional que fosse uma alternativa ao Swift”, diz Rocha. O Swift é hoje uma das principais ferramentas usadas para a realização de transações financeiras internacionais, operado por uma cooperativa com cerca de 11.500 instituições financeiras.

A próxima fronteira de crescimento, segundo um relatório recente do Ministério das Finanças da Índia, seriam os países dos Brics, para os quais o primeiro-ministro Narendra Modi tem divulgado o UPI.

A plataforma foi, aliás, um dos assuntos discutidos entre ele e o presidente Lula em uma longa ligação na última quinta-feira (7/8), segundo comunicado do Planalto.

Outro produto que também tem se espalhado em outros países é o cartão de crédito desenvolvido pelo mesmo consórcio que lançou o UPI.

Batizado de RuPay (“ru” vem de “rúpia”, a moeda indiana), ele concorre diretamente com bandeiras americanas como Visa e MasterCard e acabou de ser integrado com o UPI (uma solução semelhante ao Pix no crédito).

Rocha lembra que o Banco Central brasileiro já mencionou a possibilidade de internacionalização do Pix, mas que essa fronteira ainda não foi rompida de forma “oficial”.

O sistema passou a funcionar em outros países recentemente — Argentina e Paraguai, por exemplo —, mas como uma solução desenvolvida pelo setor privado.

Fintechs brasileiras como a PagBrasil desenvolveram ferramentas que permitem a lojistas em alguns locais fora do Brasil processarem pagamentos de consumidores brasileiros por meio do Pix. A operação de câmbio é feita na hora (com o valor, por exemplo, em pesos argentinos convertidos para real) e já com a cobrança do IOF.

“Não é uma solução oficial, foi desenvolvida pelo mercado”, ressalta Rocha.

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