1 de setembro de 2025
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Como Alexandre de Moraes se tornou tão poderoso

O hoje poderoso — e controverso — Alexandre de Moraes se tornou ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de forma inesperada.

Ele entrou na Corte em 2017, com a abertura de uma vaga quando o ministro Teori Zavascki morreu tragicamente em um acidente aéreo em Paraty (RJ).

Com isso, o então presidente Michel Temer (MDB), que não teria nenhuma indicação ao Supremo em seu breve mandato após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), pôde indicar seu então ministro da Justiça ao Tribunal, um nome da centro-direita de São Paulo, assim como ele.

Em apenas oito anos, ele se tornou protagonista da vida política e jurídica brasileira, passando de odiado a venerado em parte da esquerda.

Seu perfil duro no Direito Penal ganhou protagonismo no STF quando ele passou a relatar uma séria de investigações, e depois processos, contra suspeitos de atentar contra a democracia, principalmente bolsonaristas — casos que se desdobraram em seu gabinete a partir do polêmico inquérito das Fake News, criado em 2019.

O réu mais famoso, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), começa a ser julgado nesta terça-feira (2/9) na Primeira Turma do STF, ao lado de mais sete ex-integrantes de seu governo, sendo três generais do Exército e um almirante da Marinha, sob acusação de tentar um golpe de Estado — algo inédito.

Bolsonaro nega as acusações, assim como praticamente todos os outros, exceção feita ao seu ex-ajudante de ordens, Mauro CId, que fechou um acordo de delação premiada com a promotoria.

O ex-presidente se defende dizendo Cid mente e que seu governo realizou a transição de poder para o atual presidente. Se condenado, pode receber pena de mais de 40 anos de prisão.

O futuro do ex-presidente passa agora pelo decisivo voto de Moraes, relator do caso e o primeiro a se manifestar, com o qual os outros quatro ministros da turma irão concordar ou divergir.

Tornou-se tão protagonista do julgamento da tentativa de golpe quanto o principal réu.

A atuação do ministro ao longo da investigação e as decisões que tomou à frente do processo, que culminaram na prisão de Bolsonaro e de outros acusados, lhe renderam elogios e críticas. Também o tornaram alvo de pedidos de impeachment no Congresso e de sanções diretas do governo de Donald Trump.

Aqueles que o defendem dizem que sua atuação foi necessária para garantir a democracia no Brasil.

Seus detratores questionam se o ministro, ele próprio alvo do suposto plano de golpe, teria a isenção necessária para julgar o caso e denunciam supostos abusos e uma concentração excessiva de poder em suas mãos.

Mas como Alexandre de Moraes ficou tão poderoso?

1) O caminho para o STF

Moraes é professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) desde 2002 e construiu uma carreira jurídica sólida.

Após ter entrado no Ministério Público em 1991, ele ocupou cargos na Prefeitura e no Governo de São Paulo a partir de 2002 — e acabou formando laços com a centro-direita paulista, chegando a se filiar ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Em 2015, ele virou secretário de Segurança Pública no governo do então tucano Geraldo Alckimin, hoje no PSB e vice do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Foi nessa época que a polícia de São Paulo, sob comando de Moraes, solucionou rapidamente o caso de um hacker que tinha tentado chantagear Marcela, a mulher de Michel Temer, após invadir seu celular.

Isso teria contribuído para Moraes conquistar ainda mais a confiança de Temer, com quem ele já mantinha uma boa relação há anos. Tornou-se ministro da Justiça quando o vice de Dilma assumiu o Planalto.

Para a constitucionalista Ana Laura Barbosa, professora de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o contexto político é importante para entender por que Temer escolheu Moraes na hora de fazer sua inesperada indicação ao STF.

Naquele momento, a Operação Lava Jato passava por seu auge e expandia seu impacto para partidos além do PT.

“Talvez tenha havido essa percepção no momento da nomeação, de que ter um sujeito de confiança, um sujeito com quem [Temer] partilhava de visões políticas similares, poderia, de alguma forma, evitar que a operação chegasse aos grupos políticos a ele aliados”, afirma Barbosa.

Para o constitucionalista Joaquim Falcão, que trabalhou com Moraes no Conselho Nacional de Justiça há vinte anos, os laços com a política paulista foram importantes para sua indicação, mas seu preparo técnico também contou.

“Na época, ele tinha o manual de Direito Constitucional que vendeu mais de 800 mil exemplares”, exemplifica Falcão.

“Então, engana-se quem acha que ele faz as coisas sem base. Você pode estar contra ou a favor dele, mas que tem uma base técnica, jurídica, tem. O segundo aspecto é que é um trabalhador compulsivo. Ele sempre pretendeu ir para o Supremo.”

O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro cobre os olhos em sua casa enquanto cumpre prisão domiciliar
Bolsonaro em sua casa, onde aguarda julgamento em prisão domiciliar

2) De novato na Corte a superpoderoso em dois anos

Moraes passou seus dois primeiros anos sem grande protagonismo no Supremo.

Isso mudou em março de 2019, quando o então presidente da Corte, Dias Toffoli, decidiu abrir uma investigação para apurar ataques ao Tribunal e escolheu Moraes para ser seu relator.

Trata-se do famoso Inquérito das Fake News. Sua abertura causou muita controvérsia, porque foi realizada de ofício, ou seja, sem pedido da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República (PGR), as instituições responsáveis por investigar crimes no país. A então chefe da PGR, Raquel Dodge, inclusive pediu que o inquérito fosse arquivado.

Para abrir essa investigação, Toffoli usou um artigo do regimento interno do STF que permite à Corte apurar crimes ocorridos dentro do Tribunal. Numa interpretação alargada do regimento, ele considerou que ataques no ambiente virtual também poderiam ser incluídos nessas apurações.

A escolha por Moraes, então um novato na Corte, é atribuída à sua experiência com investigações e no comando de polícias, devido ao seu passado como promotor, secretário de Justiça e de Segurança Pública e ministro da Justiça.

“Desde o momento em que o ministro chega à Corte, ele é investido da presunção de que ele é o especialista em segurança pública. E, como o inquérito das Fake News implicava um ato de investigação, porque era a apuração de quem estava difamando, ameaçando os ministros da Corte, era meio que natural que ele assumisse essa incumbência”, afirma Maurício Dieter, da USP.

No início, esse inquérito não mirava supostos agressores do campo bolsonarista, nota o constitucionalista Diego Werneck, professor de Direito do Insper.

A investigação foi entendida, na época, como uma resposta a ataques ao STF vindos de integrantes da Lava Jato e de seus apoiadores, num momento em que a Corte estava revertendo condenações em processos da operação, inclusive contra o então ex-presidente Lula.

Meses depois da abertura do inquérito, Moraes determinou que fosse retirada do ar uma reportagem da revista Crusoé que levantava suspeitas contra Toffoli por uma suposta relação com a empreiteira Odebrecht, investigada na Lava Jato, antes de sua entrada no STF, quando era Advogado-Geral da União no segundo governo Lula.

Moraes entendeu que não havia provas dessa relação e que se tratavam de ataques mentirosos. O ministro, porém, derrubou sua própria decisão após ser acusado de censura.

“Na minha avaliação, houve um excesso do ministro ali. A suspensão da reportagem foi bastante polêmica, dentro do Tribunal, inclusive levando ao recuo”, lembra Werneck.

No ano seguinte, nota o professor, o cenário mudou. Em abril de 2020, Bolsonaro participou de um ato em Brasília, em que manifestantes pediam intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF. Ele defendeu o fim da “velha política” e disse que era “hora do povo no poder”.

O Supremo, então, se uniu em apoio ao inquérito das Fake News e rejeitou uma ação que pedia o arquivamento dela em junho de 2020. A investigação relatada por Moraes passou a ser vista como um instrumento de defesa do Judiciário e da democracia.

Na ocasião, Toffoli defendeu que a Corte não podia ficar inerte aos ataques, diante da omissão da PF e da PGR, na época comandada por Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro.

“A decisão do Toffoli de abrir o inquérito é uma decisão inconstitucional que foi constitucionalizada a posteriori pelo plenário. A indicação do Alexandre [como relator], o Toffoli não tinha competência [para fazer essa escolha]. O plenário depois consolida isso”, afirma Joaquim Falcão.

Para Diego Werneck, o inquérito das Fake News foi um “divisor de águas da vida de Moraes no Supremo”.

“Inclusive, é também o episódio que muda a valência política que se faz do ministro Alexandre de Moraes. Ele, subitamente, se torna importante para a esquerda, para a oposição ao governo Bolsonaro”, recorda Werneck.

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