Julgamento do século contra Jair Bolsonaro
Por Raimundo Borges
O Imparcial – Em 71 anos de história, desde o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, o Brasil já passou por eletrizantes reviravoltas políticas no poder central, envolvendo afastamentos, renúncia, golpe militar, morte de presidente eleito antes da posse, prisões e dois impeachments. Hoje começa o rumoroso julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentar um golpe de Estado e virar a democracia brasileira de pernas para o ar.
As crises quase sempre envolvem os Três Poderes da República, com sacudidas nas instituições, estarrecimento da população e repercussão perante a comunidade internacional. Como não poderia ser de outra forma, a democracia nem sempre saiu das crises fortalecida, como ocorreu no golpe de 1964.
A diferença é que, em 1954, o Brasil era um país rural, de infraestrutura precária e população com 51% de analfabetos, portanto desinformada sobre o que realmente se passava no centro dos Poderes. Além dos jornais, revistas e rádios, a maioria da sociedade nem contava com a televisão, ainda em fase experimental nos grandes núcleos urbanos.
Por coincidência, o suicídio de Vargas foi uma saída política, com a intenção de transformá-lo em mito e evitar a queda por meio de um golpe militar. Essa medida ocorreria 10 anos depois, com a derrubada de Jango pelos militares em 1964. Hoje, o STF inicia o julgamento histórico de Bolsonaro, também chamado de “mito” por sua legião de seguidores.
Com a vacância na Presidência, o vice de Getúlio, Café Filho, tomou posse, cujo governo não durou mais do que 15 meses. Em novembro de 1955, foi afastado por motivo de saúde no sistema cardiovascular. Assumiu Carlos Luz, como presidente da Câmara dos Deputados, mas acabou afastado definitivamente após um processo de impeachment no Congresso, que o declarou inapto a exercer a Presidência, devido às pressões militares.
No mais autêntico estilo de República de Bananas, o presidente do Senado, Nereu Ramos, tomou posse na Presidência, cumprindo o script conhecido da história do Brasil, no qual os militares escrevem o enredo e depois se tornam protagonistas.
Outro episódio marcante foi a renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, alegando pressão de “forças ocultas e terríveis”. Foi outra manobra política para retornar ao poder mais forte e nos braços do povo. Mas deu errado.
Certa vez, perguntado por jornalistas sobre o motivo da renúncia, ele foi curto e direto: “Fi-lo porque qui-lo”. Os militares vetaram a posse do vice-presidente João Goulart, sendo implantado um arremedo de regime parlamentarista. Ranieri Mazzilli assumiu o governo, mas quem mandou foram os militares, que acabaram por dar o golpe em 1964, o qual durou 21 anos de horror.
Em 1985, o presidente Tancredo Neves, eleito no último pleito indireto, com José Sarney na vice, foi internado na véspera da posse com diverticulite e, dessa doença, não sobreviveu. Sarney, num único caso da história, cumpriu o mandato. Já o primeiro presidente eleito pelo povo, Fernando Collor, acabou renunciando horas antes do impeachment.
Itamar Franco terminou o mandato. Em 2016, no meio do segundo mandato, Dilma Rousseff foi derrubada por outro impeachment e Michel Temer a substituiu como vice. Depois, em 2019, Temer foi preso, assim como Fernando Collor, em abril deste ano. Antes, foi a vez de Lula ir para a cadeia em Curitiba, em 2018, passando 580 dias encarcerado no bojo da Lava Jato.
Hoje, o ex-presidente Bolsonaro encontra-se em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, enquanto o bolsonarismo e seus filhos estão em pânico diante da possibilidade real de ele ir para a cadeia por ordem do STF. O julgamento de Bolsonaro inclui todo o chamado “núcleo crucial”, segundo a PGR, da tentativa de golpe após as eleições de 2022, com desfecho em 8/01, para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
No total, são 34 denunciados pela PGR, num dos julgamentos históricos com repercussão mundial. Por causa dele, o presidente americano Donald Trump, da extrema-direita como Bolsonaro, impôs um tarifaço de 50% nos produtos importados do Brasil e puniu o ministro Alexandre de Moraes com a Lei Magnitsky. E ameaça novas punições no caso de condenação.