11 de setembro de 2025
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Brasil condena generais por golpe de Estado pela primeira vez na história

BBC News – Oficiais da mais alta patente das Forças Armadas condenados pela Justiça por golpe de Estado. A situação era inédita no Brasil até a decisão tomada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (11/09).

Com os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Cristiano Zanin, somados aos anteriores dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, a Corte condenou oficiais generais que integraram o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que detinha a patente de capitão quando deixou a vida militar e também foi condenado.

O STF decidiu que Augusto Heleno, Walter Braga Netto, e Paulo Sérgio Nogueira — todos já na reserva após chegarem à patente máxima de general de exército, com quatro estrelas — são culpados de golpe de Estado, além de outros crimes.

Junta-se a eles Almir Garnier, almirante de esquadra, patente mais alta da Marinha do Brasil, também condenado.

Além dos generais, outro militar foi condenado por golpe de Estado: o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência — e filho de outro general de quatro estrelas, Mauro César Lourena Cid, que foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).

Todos os condenados são réus do chamado “núcleo crucial” da trama golpista, conforme acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Por ter firmado uma colaboração premiada, Barbosa Cid poderá ter sua pena perdoada total ou parcialmente.

O único voto destoante foi o de Luiz Fux, que votou por condenar Cid e Braga Netto apenas pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito e absolver totalmente os outros seis réus do núcleo: Jair Bolsonaro; Almir Garnier; Alexandre Ramagem; Paulo Sérgio Nogueira; Augusto Heleno e Anderson Torres.

Com isso, o ministro acolheu uma importante tese das defesas para absolver Cid do crime de tentativa de golpe de Estado.

Ele considerou que o golpe seria uma etapa para a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e, por isso, o réu não poderia ser condenado duplamente.

“O golpe é um meio para abolição do Estado Democrático de Direito”, afirmou Fux.

Mais uma vez, seu entendimento foi diferente do de Moraes e Dino, que consideraram que se trata de dois crimes diferentes.

Para esses dois ministros, a tentativa de golpe de Estado ocorre quando há ações para tentar derrubar um governo legítimo ou impedir a posse de um presidente eleito.

Já o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, avaliam, ocorre quando há ações para impedir a atuação de instituições democráticas, como o Poder Judiciário, incluindo a Justiça Eleitoral.

Mauro Cid e Braga Netto
Mauro Cid e Braga Netto: ex-ajudante de ordens e ex-ministro de Bolsonaro foram condenados

Fux já era a principal esperança das defesas no julgamento, já que era visto como um possível contraponto a Moraes. Havia expectativa, inclusive, de o ministro pedir vista do processo — o que poderia atrasar o desfecho do julgamento em até 90 dias.

Mas o ministro decidiu prosseguir com seu voto, que durou mais de dez horas.

Pela manhã, Fux defendeu a anulação do processo por incompetência da Corte para julgá-lo.

Além disso, Fux também acolheu um dos argumentos-chave dos réus: o de que houve cerceamento da defesa devido à falta de tempo adequado para os advogados analisarem todo o material levantado nas investigações.

Sobre a delação de Mauro Cid, ele concordou com o relator e validou o acordo de colaboração.

Ministro Luiz Fux
Luiz Fux abriu divergência em relação a Moraes e Dino

Mauro Cid: de ajudante de ordens a principal algoz de Bolsonaro

Mauro Cid foi o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante todo o mandato do ex-presidente, entre 2019 e 2022.

A partir de 2023, ele passou a ser investigado pela Polícia Federal. Em maio, ele foi preso pela Polícia Federal em meio a diversas investigações sobre sua atuação em casos como a suposta falsificação de cartões de vacina da família Bolsonaro.

Em setembro, Cid foi posto em liberdade, mas mediante o uso de tornozeleira eletrônica. Posteriormente, foi divulgada a informação de que ele havia firmado um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal e homologado pelo STF.

Mauro Cid era considerado um dos homens de confiança de Bolsonaro. Ele tem 44 anos e vem de uma família de militares. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Cid é filho de um general, Mauro Cesar Lourena Cid.

Sua delação foi duramente criticada pelas defesas dos demais réus por conta das supostas contradições e da quantidade de depoimentos que ele prestou às autoridades. A validade de sua delação, contudo, foi mantida pela maioria dos ministros da Primeira Turma, inclusive com o voto de Fux.

Além de Cid, estão na lista de réus do “núcleo crucial” três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) — e Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.

Também são réus o deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem (PL-RJ); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em divergência com Moraes, Dino considerou que Nogueira, Heleno e Ramagem tiveram participações menores na tentativa golpista e devem receber penas mais baixas que os demais.

Esse é o primeiro entre cinco núcleos que serão julgados no âmbito do processo por tentativa de golpe.

Braga Netto, escolhido para ser vice na eleição

Preso preventivamente desde dezembro de 2024 no Rio por ordem de Alexandre de Moraes, o general da reserva Braga Netto foi ministro da Casa Civil e da Defesa durante o governo Bolsonaro, além de seu candidato a vice nas eleições de 2022.

A PGR acusa Braga Netto de ter participado de reuniões e da produção de documentos que acusariam problemas no sistema eleitoral brasileiro, além de supostamente ter participado ativamente de planos para anular a vitória de Lula e manter Bolsonaro no poder através de um golpe.

Em novembro de 2022, teria ocorrido, na casa de Braga Netto em Brasília, uma reunião em que os “kids pretos” — como são conhecidos militares formados em forças especiais — teriam discutido o plano “Copa 2022”, para “neutralizar” Alexandre de Moraes.

O ex-ministro de Bolsonaro teria, inclusive, função importante no planejamento financeiro do golpe.

Segundo delação de Mauro Cid, o general teria também a função de manter contato com manifestantes bolsonaristas acampados em frente a quartéis — movimento que culminou no 8 de janeiro de 2023.

Ainda de acordo com a denúncia da PGR, Braga Netto teria pressionado também que o militar Ailton Gonçalves Barros direcionasse ataques ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, e ao então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Júnior, que se opunham em aderir a um golpe.

“Os diálogos não deixam dúvida sobre o papel relevante de Braga Netto na coordenação das ações de pressão aos comandantes, apoiado por Ailton Gonçalves Moraes Barros, que incitava militares e difundia os ataques virtuais idealizados pelo grupo”, diz a acusação da PGR.

Braga Netto também teria sido designado como coordenador-geral de um gabinete de gestão de crise após a consumação do golpe.

Em dezembro, Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva de Braga Netto a pedido da PF, segundo quem o general estava tentando interferir nas investigações ao tentar obter dados sigilosos da delação de Mauro Cid.

Os advogados de Braga Netto, do escritório Oliveira Lima & Dall’Acqua, defendem que a prisão preventiva do réu é “injusta”, “desnecessária” e “ilegal” — alegando que o próprio Cid já afirmou que não foi pressionado por ninguém para passar o conteúdo da delação.

A defesa pediu a absolvição por todos os crimes, alegando distorção de fatos, falta de provas e criticando a confiabilidade da delação de Mauro Cid.

Os advogados solicitaram ainda que a delação e a própria ação penal sejam consideradas nulas — entre outros motivos, pela suspeição de Alexandre de Moraes, argumentando que “não houve imparcialidade” por parte dele enquanto relator.

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