Em sete golpes, o Brasil nunca julgou generais
Por Raimundo Borges
O Imparcial – O julgamento do chamado núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito, pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), neste 11 de setembro de 2025, foi inédito na história do Brasil. Carregado de tensão política, trouxe também lições de cidadania e democracia para o mundo jurídico e a sociedade.
Em síntese: uma espécie de “aulão” de Direito na Democracia que durou três dias e resultou na condenação de um ex-presidente da República, três generais do Exército, um tenente-coronel, um almirante da Marinha, um deputado federal e um ex-ministro da Justiça. A aplicação de penas severas para todos mostra um Brasil que se reencontrou consigo e com a lei em seu significado clássico: “Dura lex, sed lex” – a lei é dura, mas é a lei.
Por se tratar de um julgamento histórico, envolvendo uma tentativa de golpe de Estado articulada por oficiais superiores das Forças Armadas e políticos de alta influência, a repercussão internacional não poderia ser diferente. O STF se encorajou e não se curvou às pressões políticas internas e externas, como as do presidente estadunidense Donald Trump.
Para o ministro Luiz Roberto Barroso, o Supremo que ele preside encerrou “os ciclos de atraso da história brasileira, marcados por golpismo e afronta à Constituição”. De fato, em 200 anos, o país sofreu sete golpes de Estado: desde o 1º Reinado, passando pela Proclamação da República, até a ditadura de 1964. Cada um trouxe mudanças na estrutura de poder, na divisão (ou união) da sociedade e em confrontos que desembocaram na Ação Penal 2668, julgada nesta semana pelo STF.
Assim como em outras nações, os processos de golpe de Estado no Brasil ocorreram em contextos de descontentamento e disputas pelo poder, refletindo um padrão observado em transições políticas globais. O atual avanço da ideologia de direita radical e global está no eixo central do processo julgado pela primeira vez contra o chamado “andar de cima”, ou seja, a elite do poder político, econômico e militar do Brasil.
Daí o impacto da condenação dos oito membros do núcleo crucial da trama golpista ser muito maior que o da prisão de 1,4 mil participantes do motim de 08/01/2023, dos quais 141 permanecem presos e 44 em prisão domiciliar.
No primeiro golpe de Estado do Brasil, ocorrido em 1823, a chamada “Noite da Agonia”, D. Pedro I alegou que as restrições ao poder imperial propostas pela 1ª Assembleia Constituinte poderiam ameaçar a unidade e a soberania da jovem nação. Para ele, dissolver a Assembleia e outorgar uma nova Constituição era uma forma de fortalecer o Estado e consolidar o controle necessário para governar o país.
Depois veio a Regência, quando D. Pedro I abdicou do trono em favor do filho, D. Pedro II, então com cinco anos. Quando tinha 14, o Congresso baixou um Ato Adicional que lhe concedeu a maioridade para assumir o poder. Outro grande movimento, de caráter militar, foi a Proclamação da República contra o mesmo D. Pedro II, em 1889, liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca.
“O mal feito para o bem continua sendo mal”, disse a ministra Cármen Lúcia ao abrir seu voto, citando Victor Hugo para criticar a tentativa de justificar atos ilegais em nome de supostos objetivos maiores.
Já o ministro Flávio Dino comparou o 8 de janeiro ao golpe militar de 1964: “É falsa a ideia de que uma tentativa de golpe é ‘menor’ que um golpe consumado por não ter tido mortes”. E, dirigindo-se ao “querido Luiz Fux”, acrescentou: “No dia 1º de abril de 1964, também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata! Não importa se isso ocorre no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”.
Como foi o primeiro julgamento do gênero no Brasil, é natural que contradições persistam, assim como diferentes entendimentos jurídicos, políticos e sociais sobre o projeto de golpe de Estado iniciado em 2021, em várias etapas, envolvendo centenas ou milhares de personagens, até a condenação do núcleo crucial definida pela PGR.
Com isso, o Brasil inaugura uma nova etapa em sua história jurídica, ainda que deixe um cenário inconcluso na história política, incluindo a relação comercial de 200 anos com os Estados Unidos, que, de forma injustificada, decidiram interferir no julgamento de Jair Bolsonaro pelo simples fato de ele liderar a extrema-direita na América Latina.