16 de setembro de 2025
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Bolsonaro aposta em tribunais internacionais, mas efeito prático tende a ser limitado

Dr. Arcênio Rodrigues Da Silva*

A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros crimes, abriu caminho para uma estratégia já conhecida na política brasileira: recorrer a tribunais internacionais em busca de revisão da sentença. A defesa de Bolsonaro anunciou que pretende acionar organismos fora do país — tal como fez, no passado, a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva durante a Operação Lava Jato. Mas especialistas alertam: esse caminho existe, porém não é rápido nem costuma anular condenações nacionais.

Na prática, não há um “tribunal penal internacional” capaz de rever diretamente uma decisão do STF. O Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, por exemplo, só julga Estados. Mas há mecanismos de direitos humanos que recebem denúncias individuais. Entre os mais prováveis para o caso Bolsonaro estão: o Comitê de Direitos Humanos da ONU, que fiscaliza o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pode levar casos à Corte Interamericana; e outros órgãos da ONU, como relatores especiais sobre julgamento imparcial ou devido processo legal. Todos esses mecanismos podem avaliar se houve violação de direitos fundamentais garantidos por tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Para que uma queixa seja admitida, é preciso demonstrar violação a direitos humanos previstos nos tratados internacionais, como presunção de inocência, julgamento imparcial, ampla defesa e devido processo legal. Além disso, é necessário provar que todos os recursos internos foram esgotados ou que eles são ineficazes. É uma espécie de “última instância” fora do país. Situações típicas incluem alegações de parcialidade do órgão julgador, cerceamento de defesa, divulgação indevida de provas sigilosas ou obstáculos injustificados ao manejo de recursos.

Os procedimentos internacionais são notoriamente lentos. No Comitê de Direitos Humanos da ONU, uma decisão pode levar de dois a cinco anos ou mais; na Comissão Interamericana, processos chegam a demorar até sete anos. Há medidas cautelares ou provisórias para situações urgentes, mas elas não anulam uma condenação nacional — servem apenas para evitar danos irreparáveis ou garantir direitos enquanto o caso é analisado.

Mesmo que obtenha uma decisão favorável, Bolsonaro não terá a sentença automaticamente anulada. Organismos internacionais não reformam condenações internas; eles podem declarar violações e impor ao Estado obrigações de reparação ou revisão. No Brasil, caberia então à própria Justiça reavaliar o caso com base no pronunciamento internacional. Apesar disso, esses recursos têm efeitos simbólicos e políticos: geram pressão externa, reforçam narrativas de defesa e mobilizam apoio de organizações da sociedade civil e diplomacia internacional.

Foi justamente essa a aposta de Lula durante a Lava Jato. Sua defesa acionou o Comitê de Direitos Humanos da ONU para denunciar a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, além de violação de privacidade e uso de provas ilícitas. Em 2022, o Comitê reconheceu que houve violações de garantias fundamentais e determinou que o Brasil informasse medidas para reparar os danos. Embora a decisão não tenha “anulado” automaticamente as condenações, coincidiu com o momento em que o STF anulou processos contra Lula, ajudando-o a recuperar os direitos políticos. 

No caso do ex-presidente, os efeitos práticos tendem a ser semelhantes: mesmo uma decisão internacional favorável serviria sobretudo como instrumento de pressão e argumento jurídico para revisão criminal ou mitigação de pena dentro do Brasil. Uma reversão imediata da sentença é improvável, mas a estratégia pode funcionar como peça-chave para manter o debate sobre o julgamento vivo e questionar sua legitimidade no cenário global.

Em conclusão, recorrer a tribunais internacionais não é um “atalho” para escapar da condenação, mas um recurso de longo prazo, com peso simbólico e político considerável — e cujos resultados jurídicos dependem, no fim, das instituições brasileiras.

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Dr. Arcênio Rodrigues da Silva é sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados.

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