ROTA DE TODO MAL: Como tarifaço e outros atos de Trump enriquecem lobistas amigos
ICL – Gigante do lobby prometeu abrir as portas da Casa Branca para a CNI e ao governo brasileiro.
“The route of all evil”. Em bom português, “a rota de todo o mal”. Foi assim que o jornal Washington Post um dia resumiu K Street, em Washington, DC.
Também conhecida como “a rua do lobby”. Da mesma forma que Wall Street é o sinônimo consagrado para sede do mundo financeiro, K Street é o epicentro da indústria do lobby. Imortalizada no nome da série de TV que retratava esse universo.
A rua dos escritórios por onde passam os contratos milionários que irão influir na política mundial.
Mas há um fato novo naquele pedaço. Recente. A indústria do lobby foi tomada de assalto nesses últimos anos. E as digitais estão espalhadas por K Street: MAGA. “Make America Great Again”, o movimento liderado por Donald Trump.
A nova ordem de K Street ultrapassa o interesse apenas nos milhões em jogo. Os documentos obtidos pela reportagem junto ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, cumprindo a lei do Foreign Agents Registration Act (FARA), que exige aos lobistas a publicidade das atividades, demonstram que a representação de regimes autocratas e de extrema direita também está sob o escopo dos lobistas MAGA. Desde a venda da imagem da ditadura de Nayib Bukele em El Salvador até os contatos com a família Bolsonaro.
A volta de Trump à Presidência consolidou a tomada de poder dos novos donos da cena de K Street.

Em abril, o Wall Street Journal resumiu assim: “Ao mesmo tempo em que mexe com toda a economia americana, a gestão Trump está reinventando o jogo do lobby, premiando aliados e transformando o poder em Washington em alvo de sua cruzada antielites.”
Com o novo mandato presidencial, um presente maior caiu no colo dessa turma: o tarifaço de Trump. As taxações já começam a render milhões para os amigos do rei. Para os países vítimas, restou procurar um lobista MAGA para chamar de seu.
Gigante do lobby prometeu abrir as portas da Casa Branca para a CNI e governo brasileiro depois do tarifaço
A velocidade de atuação dos lobistas e a capacidade de farejar a oportunidade de milhões de dólares impressiona. Numa quarta-feira, 30 de julho, Trump assinou o decreto impondo tarifa de 50% aos produtos brasileiros. Dois dias depois, sexta-feira, 1º de agosto, o Brownstein Hyatt, escritório gigante do lobby americano enviou uma proposta para a brasileira Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em 13 páginas, dirigindo-se diretamente ao presidente da CNI, Ricardo Alban, o lobista promete “posicionar a CNI” no imbróglio.
E não só a CNI, estendendo o lobby ao governo brasileiro: “Nossa equipe adaptará nossa abordagem para refletir não apenas as prioridades da política industrial da CNI, mas também os objetivos econômicos estratégicos mais amplos do governo brasileiro”. E muito mais: “Brownstein mantém fortes relações com o Presidente Trump e com as autoridades e agências responsáveis pela elaboração e implementação de suas políticas tarifárias”. Vai além: “é importante colocá-lo em contato com os principais tomadores de decisão do governo Trump”. E enumera nominalmente 17 ocupantes de primeira linha do governo norte-lamericano com quem desfrutam de acesso privilegiado, além de todos os demais poderes.
Em primeiro da lista dos 17 estava Peter Navarro. “Conselheiro Sênior do Presidente para Comércio e Manufatura”, conhecido com o “Czar das Tarifas”.
Exposto ao constrangimento de abridor de portas aos lobistas, no dia 19 de agosto Navarro tentou limpar a imagem nas redes com veemência se afastando do Brownstein: “Você NUNCA vai aparecer na minha porta da Casa Branca”. E encerrou a postagem: “Libertem Jair Bolsonaro!”, tentando afinar-se com a promessa de campanha do presidente, que consagrou a expressão “drain the swamp”, algo como “drenar o pântano”, referindo-se a um grandioso pacote de normas para reprimir o lobby. Algo que nunca deixou de ser promessa.
Em silêncio, o Brownstein move suas peças. Tradicional figura de K-Street, sem o perfil MAGA, o lobista buscou reforço nos novos tempos e fez rodar a porta-giratória da Casa Branca. Trent Morse, vice-assistente do presidente, anunciou a saída para fundar a casa de lobby Morse Strategies. E será consultor estratégico sênior da Brownstein Hyatt. Em mais um caso onde a realidade atropela as promessas de campanha, quando Trump anunciou o fim da porta-giratória que liga Casa Branca a K Street.
Outros estão seguindo o caminho, de olho nos milhões da nova ordem da rota de todo mal. Bo Hines, consultora presidencial, rumou para a gigante de ativos digitais Tether. May Davis Mailman, conselheira de longa data de Trump e estrategista sênior da Casa Branca, já saiu e montou a própria banca em K Street.
A prospecção do lobista indica o preço para a CNI do que já foi chamado de “Custo Eduardo Bolsonaro”: US$ 50 mil mensais, contrato inicial de um ano.

Taxação do Canadá rendeu contrato milionário para lobista amigo de Trump Jr
Em novembro do ano passado, Trump anunciou que todas as importações globais de aço e alumínio seriam tarifadas em 25%.
Uma bomba no colo do vizinho Canadá, com milhares de empregos dependentes dessa indústria.
O movimento que se seguiu foi sintomático sobre Trump e seus tarifaços. Em 1º de fevereiro, um lobista novato registrou contrato, obtido pela reportagem.
Contratado pelo Canada’s Council of the Federation” (Conselho da Federação do Canadá) para abrir as portas em Washington. US$ 85 mil mensais, sem prazo de término. No documento, o objeto entre as partes prevê “planejamento, preparação e execução de reuniões de Primeiros-Ministros e missões internacionais; facilitação de processos intergovernamentais relacionados ao trabalho dos Primeiros-Ministros; administração de projetos do Conselho; apoio às comunicações do Conselho”.
O lobista beneficiado? Charles “Ches” McDowell, que abriu a Checkmate Government Relations no fim de 2023. Um típico exemplar da nova ordem de lobistas em K Street. Como mostra a trajetória que desemboca no acesso a ante-sala de Trump.