Kim Kataguiri: Bolsonaro deve cumprir pena na cadeia e ir ao hospital quando necessário
Uma década após o Movimento Brasil Livre (MBL) surgir, alavancado pelas manifestações pró-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e em defesa do liberalismo econômico, um de seus fundadores afirma que o grupo passou “por uma mudança de visão ideológica”.
Hoje deputado federal e prestes a lançar oficialmente um partido próprio com vistas a disputar a Presidência em 2026, Kim Kataguiri (União Brasil) afirma que mudou sua visão sobre as privatizações.
“Aquilo que é público, que funciona bem, não precisa ser privatizado”, diz à BBC News Brasil de seu gabinete em Brasília, com bonecos de animes, mangás e outros bibelôs que fazem referência à cultura nipônica espalhados pelas prateleiras.
O deputado tinha 19 anos quando despontou como um dos principais nomes do MBL. Hoje, cumpre seu segundo mandato na Câmara e aguarda o registro oficial do Missão junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O plano para 2026, diz, é colocar a legenda na rua com candidato próprio ao Planalto: Renan Santos, também cofundador do MBL.
Kataguiri não tem a idade mínima, 35 anos, exigida para ser presidente. Completa 30 no próximo ano. Por isso, diz que está em discussão uma possível candidatura ao governo de São Paulo, ou a tentativa de um terceiro mandato no Congresso.
“Estou na política para cumprir uma missão”, diz.
Apoiar um candidato indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está fora de cogitação, afirma ele. Nem mesmo se for formada uma frente ampla para tentar derrotar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Prefere anular o voto a novamente votar em qualquer Bolsonaro.
“A família Bolsonaro é um projeto hegemônico de poder e que só está preocupada com si próprio. Não está preocupada com o país.”
Para o deputado, que afirma ter feito “voto útil” em Bolsonaro no segundo turno de 2018, aquela foi a escolha que ele tinha naquele momento.
Mas agora, o cenário é diferente. Se a pauta anticorrupção deu força para o MBL se tornar um dos principais grupos de direita e da oposição ao PT, essa também foi a principal promessa que Bolsonaro fez e não cumpriu, de acordo com ele.
“A promessa do enfrentamento à corrupção acabou a partir do momento em que ele precisou blindar o filho de uma investigação. E aí ele vendeu o país inteiro em troca dessa blindagem.”
BBC News Brasil – O MBL foi um dos apoiadores da candidatura de Bolsonaro em 2018. No ano passado, o senhor chegou a dizer que era da direita antibolsonarista, mas que aceitaria apoiar Bolsonaro ou estar ao lado de Bolsonaro em uma eventual coalizão ou uma frente ampla contra Lula.
Kim Kataguiri – Ao lado do Bolsonaro? Não foi isso que eu disse.
Eu disse, na verdade, que poderia ser um candidato que fosse bolsonarista, mas não o Bolsonaro.
BBC News Brasil – O senhor não apoiaria Bolsonaro se ele não estivesse inelegível?
Kataguiri – Em nenhuma hipótese.
BBC News Brasil – E se fosse o deputado Eduardo Bolsonaro?
Kataguiri – Ninguém da família.
BBC News Brasil – Nem se fosse em uma frente ampla para derrotar o presidente Lula?
Kataguiri – Não. Anularia o voto de novo.
A família Bolsonaro é um projeto hegemônico de poder e que só está preocupada com si própria. Não está preocupada com o país.
O Bolsonaro permitiu que o Supremo tivesse esse superpoderes. A gente acabou de aprovar o fim das decisões monocráticas [para ministros do Supremo Tribunal Federal]. Na legislatura passada, Bolsonaro, a pedido do [ministro do Supremo, Dias] Toffoli, vetou.
[O veto foi] para trancar as investigações sobre dinheiro do [senador] Flávio Bolsonaro, que estavam avançando e que só foram suspensas por causa de uma decisão do Supremo, capitaneada pelo Toffoli, para suspender todas as investigações envolvendo compartilhamento de informação entre a Receita e o COAF [Conselho de Controle de Atividades Financeiras].
E aí, nessa esteira, primeiro ele acaba com a Operação Lava Jato, nomeando Augusto Aras para PGR [Procuradoria-Geral da República]. Aras acaba não só com a Lava Jato, mas proíbe o modelo de força tarefa da Lava Jato para qualquer outra operação. Todos os corruptos, tanto do centrão, como do PT, das esquerdas, são soltos dentro dessa esteira.
O voto do ministro [do Supremo] Kassio Nunes foi fundamental para que o Lula pudesse utilizar as provas ilegais da Operação Spoofing na sua defesa e, portanto, tivesse os seus direitos políticos devolvidos. Depois, teve a anulação também com o voto do Kassio, da delação do [Antonio] Palocci. E por aí vai…
Bolsonaro perdeu a oportunidade de fazer um governo de fato de direita e coerente. Ele perdeu essa oportunidade traindo os próprios valores, traindo o próprio eleitorado e traindo as próprias promessas de campanha. Bolsonaro pegou o país com o Lula preso, inelegível, com o PT impopular, eu ia fazer campanha na rua, o PT escondia o vermelho, escondia a estrela.
E conseguiu entregar um país, primeiro, sendo o primeiro presidente da República a perder uma reeleição. Nem a Dilma, que entregou um péssimo governo com a pior crise econômica da história do país, pior do que a da pandemia, perdeu a reeleição.
BBC News Brasil – Mas que tipo de promessa ele fez e não cumpriu?
Kataguiri – Principalmente no combate à corrupção. Em vez de fortalecer o enfrentamento, ele afrouxou para proteger a si próprio e à própria família com afrouxamento da Lei de Improbidade Administrativa, com a tentativa de aprovação da mudança de composição do Conselho Nacional do Ministério Público, da PEC da Impunidade, com a mudança do diretor da Polícia Federal, o superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, também para blindar o Flávio.
Então, a promessa dele do enfrentamento à corrupção acabou a partir do momento em que ele precisou blindar o filho de uma investigação. E aí ele vendeu o país inteiro em troca dessa blindagem.
Do ponto de vista econômico, eu perdi a conta de quantas e quantas vezes Paulo Guedes e Bolsonaro mandaram o projeto para a Câmara dos Deputados para furar o teto, incluindo essa última “PEC kamikaze“, que criou um rombo de R$ 150 bilhões no ano eleitoral para ele desesperadamente despejar dinheiro e tentar vencer as eleições, que é, mais uma vez, no eixo do liberalismo também.
Eu me lembro que Paulo Guedes falou: “Reforma tributária, vou mandar semana que vem” [para ser votada no Congresso]. Fiquei dois anos esperando.
A reforma administrativa, quando veio, foi sem membro de poder. Então eu vou reformar o funcionalismo público inteiro, mas vou deixar juiz de fora, vou deixar promotor de fora, deputado de fora, senador de fora? Esse não era o governo que ia acabar com a mamata?
Eu fui presidente na Comissão de Educação em 2022, e vou falar um bastidor aqui para você que eu nunca falei publicamente. O próprio Bolsonaro ligou para o líder do meu partido na época [deputado Elmar Nascimento, União Brasil-BA], falando que não era para ele me indicar para presidência da Comissão de Educação, porque estava cheio de escândalo na educação, e ele sabia que eu ia convocar o ministro sim, e que eu ia ordenar investigação, sim.
E o líder do meu partido falou “Olha, o Kim não tem cargo no governo, não recebe emenda do governo, presidência de comissão é espaço do partido, não é espaço do governo Bolsonaro”, e manteve a minha indicação.
[Nota da redação: Procurados pela BBC News Brasil, Jair Bolsonaro e Elmar Nascimento não responderam aos pedidos de comentário até a publicação desta entrevista.]
BBC News Brasil – Acha que o julgamento dele por golpe de Estado foi justo?
Kataguiri – Eu acho que ele tentou de fato dar um golpe de Estado. E de uma maneira bastante rocambolesca, porque ele vai lá, imprime a minuta de golpe na impressora do Palácio do Planalto, pega ela sem saber a opinião dos comandantes das armas, submete aos três comandantes e só não leva em frente porque o comandante do Exército o ameaça prender se levasse o plano em frente.
Então a gente esteve a um sim — o sim do comandante do Exército — de ter um golpe de Estado.
Agora, que o julgamento do Supremo teve uma série de vícios processuais, isso eu não tenho a menor dúvida. Primeiro, você começa com o próprio foro. Só existem duas teses possíveis, e o Supremo inventou uma terceira. A primeira, que eu defendo, porque é a que está prevista na legislação, que diz que tem foro quem tem mandato.
Então, o Bolsonaro devia ter sido jogado na primeira instância. Mas tem o outro entendimento jurisprudencial da época do Mensalão, de que, por ter foro à época [do crime] e por envolver um caso de grande repercussão nacional, isso seria julgado pelo Supremo.
Se a gente for seguir a jurisprudência do Mensalão, ele deveria ter sido julgado pelo plenário e não por uma turma.
Outro ponto é que, ao final do inquérito, a defesa não teve acesso ao inquérito para preparar a resposta da acusação.
E aí, quando é oferecida denúncia e aberto já o prazo de resposta à acusação, é que o inquérito foi disponibilizado, no que a gente chama de data dumping: quando a acusação joga uma quantidade de dados, salvo engano eram 60 terabytes, uma coisa grotesca que demoraria alguns milhares de anos para você analisar tudo para apresentar a resposta da acusação.
Acho que o Supremo atropelou o processo.
BBC News Brasil – Acha que ele deveria cumprir a pena na cadeia? Ou deveria ficar em casa?
Kataguiri – Deve ir para a cadeia, sim.
BBC News Brasil – Mesmo com a idade avançada e com questões de saúde?
Kataguiri – Só se for inevitável que ele tenha um cuidado de saúde constante, o que não me parece ser o caso agora. Parece que ele tem problemas graves, mas pontuais, em que ele pode sair do presídio para ir ao hospital.
