Cadáveres lotam a praça na “Cidade Maravilhosa”
Por Raimundo Borges
O Imparcial – O Brasil e o mundo estão de olhos arregalados, não sobre a beleza da Cidade Maravilhosa, mas sobre o amontoado de corpos crivados de balas, que o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), chama de “narcoterroristas”. Eles foram mortos na megaoperação contra traficantes do Comando Vermelho, que há décadas infernizam os morros pobres da capital fluminense.
Foram dezenas de cadáveres, enfileirados na praça por moradores dos complexos do Alemão e da Penha. Eles encontraram mais de 60 corpos na área de mata da Vacaria, Serra da Misericórdia, durante a madrugada desta quarta-feira (29). Até o meio-dia de ontem, o número de mortos ainda era incerto, mas o governador disse que a operação foi “um sucesso”.
Em termos de combate ao crime organizado, essa mortandade é um escândalo de proporções horrorosas, com enorme repercussão mundial e política no Brasil. Cláudio Castro usou o termo “narcoterrorista”, adotado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os bombardeios contra 14 embarcações que já mataram 57 pessoas no Mar do Caribe e no Oceano Pacífico.
Por coincidência, Castro não recorreu ao governo federal, mas enviou, há oito meses, a Trump um relatório em que aponta a facção CV como organização terrorista com ramificações e atividades nos Estados Unidos. Seria um pedido de cooperação dos EUA no combate à facção, com sanções econômicas contra suas lideranças.
Por sua vez, o senador do Rio, Flávio Bolsonaro, do mesmo PL de Cláudio Castro, há cinco dias escreveu em inglês, em sua rede social no X, ter “inveja” dos ataques letais do governo estadunidense contra barcos de supostos traficantes de drogas.
Em resposta a uma postagem do secretário de Guerra Pete Hegseth, o senador Bolsonaro questionou se os americanos “não gostariam de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas” no Rio de Janeiro. Segundo ele, barcos de traficantes estariam usando a Baía de Guanabara para “inundar o Brasil com drogas”.
Pode até ser verdade, mas o Comando Vermelho, que nasceu como “Falange Vermelha” dentro do Instituto Penal Cândido Mendes, em Ilha Grande, onde estavam presos comuns e presos políticos da Ditadura Militar, chegou ao que é hoje: uma organização no sentido lato do termo, com atuação no Brasil e em vários países. Expandiu-se no vácuo da omissão do Estado, da corrupção no aparelho de segurança e do mau exemplo dos mandatários eleitos no Rio.
O próprio Cláudio Castro foi o sétimo governador do Rio indiciado por corrupção e peculato em 2024. Em oito anos, cinco governadores foram presos pelos mesmos crimes: Moreira Franco, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Rosinha Garotinho e o marido, Anthony Garotinho.
A operação nos complexos do Alemão e da Penha superou o massacre do Carandiru, em 1992, que deixou 111 presos mortos em São Paulo e se tornou símbolo da violência policial no país, resultando em filmes, livros e uma mancha de sangue na história. Embora os dois episódios estejam em contextos diferentes – um dentro do sistema prisional e outro em plena área urbana, em confronto direto com o tráfico de drogas –, a violência não é menos atroz.
Depois dos 64 mortos (quatro policiais) contabilizados pelo governo Castro, moradores da Penha removeram outros 60 corpos para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas. A PM informou que eles não haviam sido incluídos no balanço oficial.
Pelo menos 30 entidades nacionais e internacionais – incluindo a ONU – criticaram a “matança produzida pelo Estado”. O ministro Flávio Dino, do STF, repudiou uma publicação falsa que circula nas redes sociais, atribuindo-lhe críticas à Polícia Militar do Rio de Janeiro. Ele a chamou de “ridícula e abjeta”.
Porém, na terça-feira (28), ele disse que o “caos” vivido no Rio é causado por facções “ultracapitalizadas”, infiltradas em setores financeiros legais, o que exigiu medidas restritivas da Febraban para coibir a lavagem de dinheiro no setor bancário. Portanto, é mais fácil combater o tráfico com tecnologia na Faria Lima (SP) do que com fuzil nas favelas do Rio.
