4 de novembro de 2025
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161 anos da morte de Gonçalves Dias

DE LEITURAS E RELEITURAS, CANÇÕES E EXÍLIOS
– Polifonias e polissemias sobre a “Canção” de Gonçalves Dias

Ilustrações: As duas estrofes iniciais da “Canção do Exílio”, na edição de 1846, que abre o livro “Primeiros Cantos”, o primeiro lançado por Gonçalves Dias. E o livro de Edmilson Sanches sobre o impacto/influência da “Canção”.

***

Em um outro texto que publiquei — “Gonçalves Dias e eu” –, ante a passagem, neste 3 de novembro de 2025, do 161º ano da morte do poeta maranhense, mencionei a vontade de organizar um livro sobre os “impactos” da “Canção do Exílio”, a ponto de, a partir desta, ter sido escrita uma ainda não estabelecida quantidade de textos em verso e prosa — cujo desafio para recolha, análise/interpretação/estudo e publicação bem que merece um agente financiador… Atrevi-me a escrever o livro “A Canção do Brasil”, sobre esse impacto ou influência da “Canção do Exílio”, mas a obra, que teria mais de quinhentas páginas, foi reduzida para cento e dez, por questões de custos editoriais.

Nem se fale dos muitos estudos sobre Gonçalves Dias constantes da também numerosa quantidade de textos acadêmicos, sejam eles trabalhos de conclusão de cursos de graduação, monografias de especialização, dissertações de mestrados, teses de doutorado e relatórios de pós-doutoramento. Igualmente, nem se mencione o sem-número de trabalhos de disciplinas universitárias…

Do autor, o que fica mesmo é sua obra e esta será tanto mais impactante ou influente quanto o for o sentido de recorrência a ela e, com isso, de permanência dela, pelas menções, citações, cortes e recortes, o “name-dropping” em torno do autor e de do que ele escreveu.

Entre os autores de textos que tiveram lastro, inspiração, influência, raiz, mote, motivo e “Leitmotiv” na “Canção do Exílio”, exemplifiquemos com alguns nomes nacionais, com título e trecho dos poemas:

AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA (27/03/1937 — 04/03/2025) – O professor universitário e escritor mineiro escreveu o poema “Canção do exílio mais recente”, cujo título remete à poesia gonçalvina. As duas primeiras estrofes, das 21 que constituem o poema:

Não ter um país
a essa altura da vida,
a essa altura da história,
a essa altura de mim,
— é o que pode haver de desolado.

É o que de mais atordoante
pode acontecer ao pássaro e ao barco
presos desde sempre à linha do horizonte.
[…]

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CACASO – O professor universitário e escritor mineiro Antônio Carlos de Brito (1944–1987) também bebeu na fonte gonçalvina. Seu poema “Jogos florais” traz logo na primeira estrofe e primeiro quarteto:

Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
Vive comendo o meu fubá.
[…]

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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902–1987) – O muito citado poeta mineiro, logo em seu primeiro livro, de 1930, traz a referência gonçalvina na última estrofe do poema “Europa, França e Bahia” (e localizei a fonte em que o mineiro Drummond, em troca de cartas com o paulista Mário de Andrade, revela que aquele quase centenário primeiro livro drummondiano, “Alguma Poesia”, teve, inicialmente, o título “Minha Terra tem Palmeiras”, o que Mário elogiou) :

[…]
Chega !
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos,
Minha boca procura a “Canção do Exílio”.
Como era mesmo a “Canção do Exílio” ?
Eu tão esquecido de minha terra…
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá !

—- Dedicada ao escritor maranhense Josué Montello (1917–2006), Drummond escreveu “Nova canção do exílio”, cuja primeira estrofe (são cinco) se destaca abaixo:

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
[…]

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CASIMIRO DE ABREU (1839–1860) – O poeta fluminense é bem lembrado pelos poemas que fez inspirados na “Canção do Exílio”: a — “Canção do exílio” e a “Canção do exílio – meu lar”:

“Canção do exílio”
Eu nasci além dos mares:
Os meus lares,
Meus amores ficam lá
– Onde canta nos retiros
Seus suspiros,
Suspiros de sabiá!
[…]
“Canção do exílio – meu lar”
Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!
[…]

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CHICO BUARQUE & TOM JOBIM – O músico e escritor carioca Francisco Buarque de Hollanda (1944) e o músico Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, também nascido no Rio de Janeiro (RJ), compuseram a canção “Sabiá”, onde as referências gonçalvinas têm início logo na primeira estrofe da letra:

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

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EDUARDO ALVES DA COSTA (1936) – Esse escritor fluminense, nascido em Niterói, ficou muito conhecido em razão de versos de seu poema “No caminho, com Maiakovski”, onde, na segunda estrofe, começa: “[…] Tu sabes, / conheces melhor do que eu / a velha história. / Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim.[…]”. Os dias e roubos se sucedem no poema de cerca de 90 versos, até que, não havendo oposição ao primeiro “delito”, já não mais nem o que dizer no último deles… pois até a voz foi arrancada… Esse poeta escreveu “Outra canção do exílio”, cujos versos iniciais de cada uma das sete estrofes são calcados na “Canção” gonçalvina, como nas duas estrofes finais:

[…]
Minha terra tem palmeiras
a baloiçar, indiferentes
aos poetas dementes
que sonham de olhos abertos
a rilhar os dentes.
Não permita Deus que eu morra
pelo crime de estar atento;
e possa chegar à velhice
com os cabelos ao vento
de melhor momento.
Que eu desfrute os primores
do canto do sabiá,
onde gorjeia a liberdade
que não encontro por cá.

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FERREIRA GULLAR – O escritor e tradutor maranhense José Ribamar Ferreira (1930–2016) escreveu um sensual poema de 18 versos, que dedicou “a Cláudia” e a quem diz, logo de cara, nas quatro linhas iniciais:

Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
[…]

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GUILHERME DE ALMEIDA (1890–1969) – O advogado e escritor paulista compôs a “Canção do expedicionário”, que tem este trecho:

[…]
Por mais terra que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
[…]

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JOSÉ PAULO PAES (1926–1998) – O escritor e tradutor paulista escreveu pelo menos dois poemas que têm referência na “Canção do exílio” de Gonçalves Dias, uma delas com o mesmo título da composição gonçalvina e, a segunda, “Lisboa: aventuras”:

lá ?
ah!
sabiá…
papá…
maná…
sofá…
sinhá…
cá ?
bah!

—- “Lisboa: aventuras” (poema de 15 versos, cujos cinco últimos transcrevem-se abaixo):

[…]
gritei: “ó cara!”
responderam-se “ó pá!”
positivamente
as aves que aqui gorjeiam
não gorjeiam como lá

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MANUEL BANDEIRA (1886–1968) – O escritor pernambucano compôs suas “Sextilhas românticas”, onde assume (“concede”) seu romantismo e, à Gonçalves Dias, diz logo na primeira estrofe:

Paisagens da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
— Mas que importa o rouxinol?
Frio, nevoeiros da serra
Quando a manhã se levanta
Toda banhada de sol!
[…]

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MÁRIO QUINTANA (1906–1994) – O poeta, jornalista e tradutor gaúcho escreveu “Uma canção”, onde a primeira estrofe denuncia a clara inspiração gonçalvina:

Minha terra não tem palmeiras…
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
[…]

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MURILO MENDES (1901–1975) – O poeta mineiro também escreveu sua “Canção do exílio”, cuja primeira estrofe é:

Minha terra tem macieiras da Califórnia
Onde cantam gaturamos de Veneza
Os poetas da minha terra
São pretos que vivem em torres de ametista,
Os sargentos do exército são monistas, cubistas,
Os filósofos são polacos vendendo a prestações.
[…]

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OSWALD DE ANDRADE (1890–1954) – O escritor paulista e paulistano compôs seu “Canto de regresso à pátria”, de onde se destaca a primeira estrofe:

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
[…]

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TORQUATO NETO & GILBERTO GIL – O jornalista e escritor piauiense Torquato Pereira de Araújo Neto (1944–1972) e o músico baiano Gilberto Passos Gil Moreira (1942) compuseram “Marginália II”, onde o estro gonçalvino está presente, por exemplo, nos versos:

[…]
minha terra tem palmeiras
onde sopra o vento forte
da fome do medo e muito
principalmente
da morte
[…]

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VINICIUS DE MORAES (1913–1980) – O escritor e diplomata carioca escreveu “Pátria minha”, onde, na última estrofe, cria neologismo (“avigrama”), lembra gonçalvino tema e põe o próprio nome no poema:

[…]
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”

* * *

Escritos em julho de 1843, quando Gonçalves Dias ainda não completara 20 anos, os versos da “Canção do Exílio”, publicados nos “Primeiros Cantos”, de 1846, atravessam gerações e se depositam e se (re)transmitem quase como que por hereditariedade. Parece não mais ser essa fixação resultado da leitura, mas produto de um código genético, uma informação cromossômica que se repassa no intercurso sexual e se vai instalando na mente de cada novo ser humano brasileiro.

Seja em gente da antiga, seja no jovem de hoje, a poesia cometida em Coimbra em 1843 está inscrita na memória das várias gerações de brasileiros dos últimos 182 anos. Ainda que, ressalve-se, em grande número de vezes, nunca esteja o poema inteiro, de 24 versos, 5 estrofes, 113 palavras, 487 letras.

Mas aqueles dois primeiros versos, quando não toda a primeira estrofe, não há negar: está na cabeça, melhor, está na alma do brasileiro:

“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;”

Na cidade de Caxias, mais que um poeta, nasceu uma expressão de caxiensidade, maranhensidade e de brasilidade.

Muito da obra de Gonçalves Dias mostra de peito aberto o amor, o orgulho, o sentimento de pertença (“ownership”) que o poeta desenvolvia pela sua própria terra.

Quantos, hoje, manifestamente, denunciam assim orgulhosa e escancaradamente essa emoção telúrica, essa querença pátria?

EDMILSON SANCHES
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CURSOS – PALESTRAS – CONSULTORIA
Administração – Biografias – Comunicação – Desenvolvimento – História – Literatura – Motivação
ENTRE EM CONTATO: edmilsonsanches@uol.com.br
www.edmilson-sanches.webnode.page

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