Envelhecimento: o grande desafio do Brasil no século 21
Tema da redação do Enem de 2025, o envelhecimento ensejou densas reflexões dos jornalistas mais experientes do Brasil 247.

A escolha do tema da redação do ENEM 2025, “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”, jogou luz sobre um dos maiores dilemas estruturais do país: o Brasil está envelhecendo em ritmo acelerado, sem que sua estrutura social e econômica tenha acompanhado essa velocidade. O que deveria ser motivo de celebração, pois viver mais é uma conquista civilizatória, confronta-se com a precarização do futuro e a persistência de uma “doença social silenciosa e persistente: o etarismo”.
Este cenário de incerteza previdenciária e falha na assistência coloca a nação diante de um gargalo que ameaça o próprio desenvolvimento. O presidente do IBGE, Marcio Pochmann, alerta para o “novo mundo do trabalho” digital e afirma que o Brasil tem “uma geração de trabalhadores que pode não se aposentar”, indicando que a ideia tradicional de previdência foi atacada ao longo dos anos por reformas neoliberais.
O jornalista, pesquisador e gerontólogo Jorgemar Felix reforça o risco econômico da inação, dizendo que “o envelhecimento sem cuidado pode ser um grande gargalo para o futuro da economia brasileira”, e que “a falha em suprir o cuidado de longa duração pode ser um garrote para a economia brasileira, impedindo o crescimento econômico”. Segundo os colunistas do Brasil 247, uma das empresas menos etaristas do Brasil, e que valoriza o talento de seus veteranos, o desafio urgente é sair do paradoxo de um país que idolatra a juventude e, ao mesmo tempo, torna o envelhecer com dignidade um privilégio, expondo a “invisibilidade dos idosos”.
A urgência, portanto, é reconhecer que “O respeito aos idosos é o espelho de uma sociedade que compreende o próprio futuro” e que, apesar de o Brasil ter uma grande base legal avançada para os direitos dos idosos, o desafio é “tirar essas leis do papel”. Diante da inevitabilidade de que o “envelhecimento é a única certeza democrática da existência humana”, o Brasil 247 lança esta reportagem especial, reunindo reflexões essenciais de alguns dos maiores jornalistas do Brasil. Leia abaixo:

Luis Pellegrini
Envelhecimento: a única certeza democrática
O respeito aos idosos é o espelho de uma sociedade que compreende o próprio futuro
Envelhecer é inevitável. Mas envelhecer com dignidade é uma escolha coletiva. O Brasil precisa decidir se quer ser uma nação que teme o passar do tempo ou uma sociedade que o celebra, reconhecendo que, ao proteger os seus idosos, protege também o seu próprio futuro.
Ao longo da minha carreira, tive o privilégio de encontrar vários centenários, homens e mulheres, todos eles seres de exceção em termos de luz, força e energia pessoais. Hoje, quero me referir a apenas um: a italiana Rita Levi-Montalcini, Prêmio Nobel de Medicina, que entrevistei em Roma em 2009. Rita acabara de completar cem anos, e fui visitá-la na belíssima cobertura em que morava, no centro histórico de Roma.
Era uma tarde quente, e ela estava no terraço, protegida por um toldo, sentada atrás de uma grande mesa de trabalho. Levantou-se ao me ver chegar e, sorrindo, disse em português quase sem sotaque: “Salve, brasileiro! É você que vai me fazer matar a saudade que sinto do Rio de Janeiro?”. Rita visitou o Rio de Janeiro em 1952, após a guerra, para realizar pesquisas no Instituto de Biofísica, a convite de Carlos Chagas Filho, onde continuou seus estudos que levariam à descoberta do Fator de Crescimento Nervoso (NGF). Foi o início do trabalho científico que a levou ao Prêmio Nobel, em 1986. O Brasil deixara nela memórias especiais.
A primeira coisa que observei foi uma pilha de pastas com textos e apostilas sobre a mesa. Eram trabalhos e teses de alunos que ela orientava para mestrados, doutorados e pós-graduações. E a primeira pergunta foi: “A senhora completou cem anos de vida e continua trabalhando?”. E ela: “Sim, não quero que meu cérebro apodreça”. Perguntei: “O trabalho impede que isso aconteça?”. Rita retrucou: “Claro, este é talvez o ponto central de tudo que fiz na vida e que acabou me dando o Nobel. O cérebro é um órgão que praticamente não envelhece, desde que seja mantido em atividade. A preguiça, tanto a física quanto a mental, é a maior inimiga da longevidade cerebral. Você sabia que é mentira que as células do cérebro não se reproduzem? Elas se reproduzem — e como! Basta que você não deixe esse órgão dormir o sono dos vagabundos mentais”. A conversa foi longe, sempre nesse tom bem-humorado de quem está de bem com a vida.
Testemunhos como esse de Rita são, creio eu, mais do que nunca, fundamentais nesta fase histórica de uma humanidade que se torna cada vez mais velha. A questão do envelhecimento se torna central, a ponto de ser, agora, uma das perguntas mais discutidas do Enem.
Nosso país não foge à regra nesse fenômeno do envelhecimento das populações. Sim, o Brasil envelhece — e envelhece depressa. Segundo o IBGE, mais de 15% da população brasileira já tem mais de 60 anos e, em menos de três décadas, seremos um país com mais idosos do que crianças.
Essa mudança demográfica, fruto do sucesso de políticas de saúde pública e da queda nas taxas de natalidade, deveria ser celebrada como um avanço civilizatório. No entanto, por trás dos números, esconde-se um desafio que o país ainda reluta em enfrentar: como garantir um envelhecimento digno, ativo e respeitado?
A precariedade das políticas públicas voltadas aos idosos revela o despreparo estrutural do Estado diante da nova realidade.
Hospitais e centros de convivência especializados são escassos, o atendimento geriátrico é insuficiente e os programas de assistência frequentemente sobrevivem à base de orçamentos simbólicos. A previdência, por sua vez, segue sendo tratada apenas sob a ótica fiscal, e não como uma questão social e de cidadania. A promessa constitucional de amparo e dignidade na velhice continua distante do cotidiano da maioria.
Mas o problema não é apenas institucional — é também cultural. O preconceito contra o envelhecimento, o chamado etarismo, persiste como uma forma silenciosa de exclusão. Em uma sociedade que cultua a juventude e a produtividade, o idoso muitas vezes é visto como um estorvo, um peso para a família ou para o sistema. A publicidade raramente o representa com protagonismo, e o mercado de trabalho o descarta antes mesmo que ele possa escolher parar. Essa lógica cruel, que valoriza a aparência e a velocidade em detrimento da experiência e da sabedoria, empobrece o tecido humano da sociedade.

Como já advertia o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos em uma “sociedade líquida”, que descarta tudo o que não se encaixa no ideal de eficiência e consumo. O envelhecer, nesse contexto, é quase um ato de resistência — um lembrete de que o tempo, a memória e a experiência ainda têm valor.
É urgente, portanto, uma mudança de mentalidade. O envelhecimento não deve ser encarado como fardo, mas como uma nova fase da vida que merece políticas integradas de saúde preventiva, inclusão digital, lazer e convivência social. Cuidar dos idosos é cuidar do futuro de todos nós — afinal, o envelhecimento é a única certeza democrática da existência humana.
