19 de novembro de 2025
DestaquesGeral

Anulação de questões do Enem: entenda por que a PF foi acionada no caso

Revista Fórum – Prova é formada por itens pré-testados e avaliados por critérios psicométricos, essencial para a TRI, que avalia desempenho de estudantes nos itens antes de integrarem as edições do exame.

O ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou nesta terça-feira (18) que a anulação de três questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi adotada como medida de precaução para garantir a lisura do processo. Segundo ele, o possível vazamento das perguntas será investigado pela Polícia Federal, já que o Enem trabalha com um banco de perguntas submetidas previamente a um pré-teste junto a grupos distintos de alunos.

“Segundo as informações que eu tenho, uma pessoa que participou desse pré-teste, divulgou e fez essa fala em uma live […] Nós acionamos a Polícia Federal porque as pessoas que fazem esse pré-teste não podem [divulgar o conteúdo], tem questão de confidencialidade”, disse Santana. O MEC comunicou, por meio de nota, que solicitou à PF a apuração da conduta e da autoria do vazamento das questões.

De acordo com o ministério, a equipe técnica da comissão que elabora o Enem analisou o caso e, considerando dados sobre a composição da prova, optou por anular três itens. Apesar disso, há pelo menos outras duas questões discutidas na transmissão que guardam certa similaridade com o que foi perguntado no exame.

O que aconteceu

A escola britânica St. Paul’s, considerada uma das mais caras do país, instaurou uma apuração interna para investigar a possível antecipação de provas por parte de alunos, que poderiam facilitar o acesso a universidades de elite no exterior, como Harvard, Stanford, Yale, Columbia, Oxford e Cambridge, e no Brasil, como FGV e Ibmec.

Até o momento, mais de um aluno já foi expulso da St. Paul’s, uma das escolas mais caras do país, e novas punições devem ser definidas até o fim da semana. A escola permite acesso antecipado de estudantes a provas internas que influenciam processos de admissão em universidades de elite do exterior e do Brasil.

A St. Paul’s adota o currículo do International Baccalaureate (IB), com sede em Genebra, uma espécie de “Bacharelado Internacional”. Após dois anos de aulas, trabalhos e avaliações, o aluno recebe um certificado amplamente aceito por universidades de prestígio ao redor do mundo. As provas internas do colégio fazem parte do portfólio enviado às instituições, e boas notas podem facilitar a admissão, embora o candidato ainda precise realizar uma avaliação externa final aplicada pelo IB. As matrículas chegam a R$ 60 mil e a mensalidade, a R$ 13 mil.

Edcley Teixeira, estudante de medicina da instituição envolvido no caso, afirmou nas redes sociais que memorizou itens da prova do Prêmio CAPES Talento Universitário, acrescentando que algumas dessas questões seriam utilizadas mais tarde no Enem. Ao comentar sobre eventual violação de confidencialidade, afirmou no Instagram: “Você não assina nada. É um prêmio completamente normal”.

A cinco dias da segunda etapa do Enem, uma transmissão ao vivo feita por Teixeira exibiu pelo menos cinco perguntas com forte semelhança com as da prova oficial. Teixeira, que oferece mentoria para vestibulandos, disse nas redes sociais que não acessou conteúdo sigiloso. Ele afirma ter “previsto” os itens apenas com base em técnicas legais, entre elas memorizar questões do Prêmio CAPES, exame opcional para alunos do primeiro ano da graduação. O estudante sustenta que identificou que esses itens são usados como pré-teste para o Enem. No entanto, o Inep, em comunicado, garantiu que os protocolos de segurança do Enem 2025 foram integralmente cumpridos e que as semelhanças encontradas são “pontuais”, reiterando que nenhuma pergunta é idêntica à da avaliação.

Em nota, a escola afirmou que “está tratando com o máximo rigor o incidente relacionado à irregularidade acadêmica em uma avaliação interna. É importante esclarecer que o ocorrido envolveu uma prova interna da escola, e não um exame externo”, declarou.

A instituição também disse que, “dada a gravidade do assunto, a escola iniciou uma investigação detalhada para apurar os fatos, com apoio de profissionais externos, e vem tomando todas as ações necessárias para garantir a integridade de seus processos acadêmicos, inclusive com medidas educativas e disciplinares implementadas de acordo com as políticas e valores da instituição”.

Segundo o comunicado, a St. Paul’s não comenta casos individuais por envolverem informações confidenciais e pela necessidade de proteger a privacidade dos envolvidos. A escola reafirmou o compromisso com “os mais altos padrões de integridade acadêmica”, dizendo ainda oferecer suporte aos alunos durante o processo. Por fim, a instituição declarou manter “sistemas e processos robustos”, que estão sendo reforçados após o episódio. Às vésperas de completar cem anos, a St. Paul’s afirmou reiterar seu compromisso com um ambiente de honestidade e excelência acadêmica.

Como o Enem elabora as questões

O Enem utiliza, a cada edição, questões retiradas do Banco Nacional de Itens (BNI), um repositório que reúne milhares de perguntas já validadas. O Inep reforça que a manutenção do banco depende da constante produção de itens novos, com rigor técnico e qualidade pedagógica.

No guia “Entenda sua nota”, publicado em 2021, o instituto explica as três etapas essenciais do processo: elaboração das questões por colaboradores selecionados via chamadas públicas; validação pedagógica, feita por especialistas; e pré-testagem, em que os itens são aplicados a grupos de estudantes com perfil semelhante ao dos participantes do Enem. Apesar das alegações de Edcley Teixeira, não há qualquer confirmação de que a prova do Prêmio CAPES Talento Universitário seja utilizada como pré-teste para alimentar o BNI.

A pré-testagem existe para avaliar o desempenho de cada item e ajustar sua dificuldade. Conforme o Inep, essa etapa permite identificar itens adequados e descartar ou reelaborar aqueles que apresentam problemas. As respostas dos estudantes passam por análises estatísticas e pedagógicas que verificam, entre outros aspectos, a capacidade de discriminação e a probabilidade de acerto casual.

Para compor a prova anual de 180 questões, o Enem se baseia em fatores como os indicadores psicométricos calculados durante o pré-teste, o alinhamento dos itens à matriz de referência e a distribuição equilibrada entre áreas do conhecimento.

A Teoria de Resposta ao Item (TRI) orienta a correção da prova objetiva e a definição das notas. O modelo analisa não só quantas respostas o candidato acertou, mas o comportamento dos acertos diante da dificuldade e das características de cada questão. Em nota, declarou o Inep: “O Enem utiliza a Teoria da Resposta ao Item (TRI) para apuração de seus resultados. A metodologia demanda que os itens sejam pré-testados. Os estudantes que participam de pré-testes têm contato com itens que podem vir a compor o Enem em alguma edição”.

O deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL) afirmou que desde cedo chegaram denúncias de vazamento de questões por cursinhos particulares, o que considera uma fraude que “precisa ser investigada e devidamente punida”. Ele também acionou a Polícia Federal para apurar os responsáveis e também oficiado o Inep para que esclareça todas as questões vazadas e garanta que eventuais anulações não prejudiquem os candidatos.

Cortez citou o Exame da OAB como referência, no qual itens anulados não impactam negativamente os participantes, e cobrou que o Inep adote procedimento similar para preservar a lisura do Enem e proteger “os milhões de estudantes que fizeram a prova honestamente, sem qualquer vantagem”.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *