Inovação sustentável com babaçu dá autonomia a quebradeiras de coco do Maranhão
Embrapa – Alimentos com babaçu são opções sustentáveis e resilientes diante das mudanças climáticas e valorizam a cultura e a bioeconomia.
O babaçu é um produto da sociobiodiversidade brasileira que garante a base da economia extrativista de milhares de famílias de comunidades tradicionais localizadas principalmente no Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí. O Maranhão concentra mais de 90% do total das amêndoas dessa palmeira produzidas e comercializadas no País.

As centenas de comunidades nas quais o extrativismo de babaçu é tradicionalmente praticado se caracterizam pelo destaque e protagonismo das quebradeiras de coco, cuja identidade sociocultural é vinculada à extração da amêndoa para subsistência e comercialização. São mais de 300 mil mulheres que vivem da atividade e, ao longo do tempo, ficaram à margem do processo de desenvolvimento. Hoje, o desequilíbrio climático representa mais uma ameaça ao ecossistema dos babaçuais, afetando diretamente as comunidades que dependem do extrativismo.
Ciência e conhecimento tradicional desenvolvem alimentos com babaçu. A palmeira do babaçu é, tradicionalmente, uma fonte de diversos produtos que alimentam as comunidades locais e oferecem alternativas nutricionais e sustentáveis, além de novas opções de geração de renda para as organizações comunitárias de quebradeiras de coco do Maranhão.
Grupos organizados por essas mulheres vêm produzindo, a partir da amêndoa e da farinha do mesocarpo, pães, bolos, biscoitos, sorvetes e outros alimentos com babaçu, mas sem atender nichos de mercado que valorizam alimentos artesanais devido à falta de padronização, informações técnicas nos rótulos e regularidade. Essa produção local atende a programas institucionais (Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE) e é comercializada em feiras municipais e regionais.
Recentemente, a união dos saberes tradicionais das quebradeiras de coco e da pesquisa científica desenvolveu novos processos que resultaram em novas formulações para o sorvete e o biscoito e, ainda, produtos alimentícios feitos com a amêndoa e outros subprodutos do babaçu, como o alimento tipo leite, análogo de queijo, hambúrguer e a farinha de amêndoa, ricos em lipídio, proteína e carboidrato.
O objetivo dos projetos conduzidos pela Embrapa juntamente com parceiros institucionais e com grupos de mulheres é desenvolver novos produtos e processos alimentícios, a partir do aproveitamento integral de partes comestíveis presentes no coco babaçu – demanda das próprias quebradeiras de coco -, aumentando a diversidade da “cesta de alimentos” e potencializando o valor agregado da identidade sociocultural e histórica dessas mulheres e de seus processos de produção e comercialização. Assim, os projetos buscam atender a essa demanda mediante novos processos de produção e boas práticas de alimentos à base de babaçu.
A pesquisadora da Embrapa Maranhão Guilhermina Cayres, líder da pesquisa, diz que os novos alimentos foram desenvolvidos em processo de inovação social, em conjunto com as quebradeiras de coco, considerando as condições específicas das agroindústrias comunitárias e suas práticas tradicionais, integrando melhorias e padronizações – incluindo as boas práticas de processamento, qualidade e segurança alimentar – e levando em conta também a aceitação sensorial do produto, a agregação de valor às amêndoas quebradas e a diversificação de produção.
“Os novos produtos agregam valor e ampliam os nichos de mercado que valorizam também a identidade sociocultural de povos e comunidades tradicionais do Maranhão, gerando inclusão produtiva e riqueza com baixo impacto ambiental, promovendo a cadeia produtiva local e a autonomia das comunidades. O foco da pesquisa vai além do produto e abrange o desenvolvimento das quebradeiras de coco para que possam fortalecer suas organizações e usufruir dos benefícios da ciência, com produtos de preço justo e agregação de valor e renda aos seus negócios”, completa.
Para o sorvete e o biscoito (foto à esquerda), pesquisadores da Embrapa e da Universidade Federal do Maranhão apresentaram receitas saudáveis e funcionais (sem lactose, sem glúten e sem açúcar de adição), diferentes das receitas convencionais que levam como ingredientes alimentos processados a exemplo da margarina, do leite condensado, do creme de leite e outros, demonstrando que há inúmeras possibilidades de criação de receitas com babaçu mais nutritivas e saudáveis.
Já o hambúrguer e a farinha de amêndoa são produtos inovadores e uma alternativa à base de vegetais (vegana), o que, de modo geral, implica um menor impacto ambiental. Foram desenvolvidos para o aproveitamento 100% do coco babaçu, incluindo coprodutos e resíduos que seriam descartados (como o bagaço e casca de banana), o que reduz o desperdício e agrega valor a um recurso local, fortalecendo a bioeconomia e o desenvolvimento sustentável.
Para tal, o bagaço da amêndoa – até então resíduo da extração do óleo da amêndoa – foi transformada em farinha da amêndoa, matéria-prima para outros produtos, como o análogo do hambúrguer, e incluída em formulações de biscoitos, pães, bolos, mingaus e sorvetes, resultando em mais economia e satisfação dos consumidores.
A amêndoa de coco babaçu também é a principal matéria-prima do análogo vegetal de queijo e da bebida tipo leite desenvolvidos pela Embrapa, que podem substituir derivados de leite, para quem não pode ou não deseja consumir lácteos tradicionais.
Esse novos produtos alimentícios estão em diferentes etapas de desenvolvimento as formulações sem glúten e sem lactose de biscoito, gelado, hambúrguer, bebida vegetal tipo leite, análogo de queijo e farinha de amêndoa de babaçu.
Ativos tecnológicos
Para Guilhermina Cayres (na foto abaixo, com o grupo), essas tecnologias têm como diferencial a inclusão das mulheres do babaçu no desenvolvimento dos ativos tecnológicos, a fim de que elas sejam coautoras das novas formulações, agregando saber tradicional ao conhecimento técnico-científico. Além disso, alimentos produzidos a partir da biodiversidade brasileira, que valorizam o conhecimento ancestral e a história de grupos sociais, possuem um grande potencial para atender nichos de mercados que valorizam produtos com essas características e de se tornar elemento âncora de um sistema alimentar com identidade territorial.
“É o caso dos novos alimentos à base de babaçu. São oportunidades de inovação na cadeia de valor do babaçu, agregando saberes tradicionais e conhecimentos técnico-científicos, gerando negócios e promovendo o empreendedorismo de organizações comunitárias em torno de uma espécie da sociobiodiversidade que é o babaçu. Mas, o desconhecimento dos consumidores sobre as qualidades nutricionais e sensoriais de alimentos produzidos com babaçu, tornam o seu extrativismo e o seu processamento pouco valorizados, dificultando a compreensão do preço dos produtos e de sua importância social, cultural e ambiental, pois é símbolo da luta das famílias pela conservação dos babaçuais ao longo da história regional. A expectativa da Embrapa e parceiros é a inserção dessas mulheres no mercado de alimentos artesanais e veganos e do Maranhão, tornando o estado referência em bioeconomia e uso sustentável de produtos da biodiversidade e na valorização da identidade sociocultural de povos e comunidades tradicionais”.
Assim, os alimentos com babaçu representam solução de inovação social e tecnológica que utiliza um recurso da sociobiodiversidade brasileira para criar um alimento nutritivo e sustentável. “Ao valorizar o babaçu e o trabalho das quebradeiras, contribui-se para a mitigação dos impactos da pecuária intensiva e para a adaptação e resiliência das comunidades extrativistas frente aos desafios climáticos. A bioeconomia do babaçu é um modelo promissor de desenvolvimento sustentável, valorizando o patrimônio genético, o conhecimento tradicional e gerando oportunidades econômicas para as populações que vivem nos babaçuais”, avalia Guilhermina.
ParceriasAs experiências com inovação social e inclusão socioprodutiva lideradas pela Embrapa Maranhão envolvem universidades do Maranhão e do Ceará, iniciativa privada, governo estadual, instituições do governo federal, cooperação internacional, organizações não governamentais, empreendimentos comunitários de quebradeiras de coco e de outras mulheres que trabalham com babaçu, além da Embrapa. |
Transformando vidas e preservando o meio ambiente
Para Gelcilene Guimarães, presidente da Associação das Quebradeiras de Coco do assentamento Canto do Ferreira, “Nesses momentos com os pesquisadores, professores e estudantes, aprendemos e ensinamos muito também. Aprendemos como aproveitar ainda mais o babaçu produzindo coprodutos de qualidade e que podem ser consumidos por todos, por não possuírem açúcar, glúten e leite, ou seja, alimentos saudáveis e muito gostosos. Também conhecemos mais o potencial do leite e do bagaço de babaçu e tivemos acesso às dicas nutricionais dos professores. Agora temos mais condições de aumentar nossa produção e renda”.
Rosângela Lica, presidente da Coomavi, detalha a descoberta da farinha da amêndoa obtida a partir do resíduo da prensa do óleo. “Nós não fazíamos farinha do bagaço do óleo, usávamos como ração animal. O costume era fazer farinha do mesocarpo. Aprendemos a assar e torrar o bagaço no forno para atingir o ponto certo e transformá-lo em farinha da amêndoa, um produto que substitui o coco ralado em todas as formulações, dá muito mais crocância e tem melhor aceitação pelos consumidores, pois os produtos são 100% feitos com o babaçu”, ressalta.
Para Alana Licar, também da Coomavi, “os impactos foram positivos, pois agregam mais sabor e qualidade, evitam desperdícios e garantem um produto benéfico, oriundo de uma matéria-prima encontrada em abundância”.
Antonia Vieira, gestora da agroindústria comunitária quilombola Pedrinhas Clube de Mães, fala da presença das mulheres quebradeiras desde o início da pesquisa. “Somos parte desse processo, muito rico para nós e para os pesquisadores. Foi uma troca maravilhosa. As novas formulações trouxeram melhorias nos produtos (o biscoito, por exemplo, quebrava muito e trazia prejuízos)”, celebra.
A quebradeira de coco Maria Aparecida Matos afirma que tem orgulho de trabalhar com o coco babaçu, atividade que desempenha desde criança e que foi realizada também por sua mãe e avó. “Ser quebradeira de coco é um orgulho, pois é um produto natural. Nós não precisamos derrubar, nem queimar e nem usar veneno para produzir o babaçu, usamos o que é dado pela natureza”, salienta.
A quebradeira Rosana Sampaio diz que com os novos itens poderá incrementar o portfólio da cooperativa onde trabalha. “Vamos contar com um produto de maior qualidade, que proporciona um faturamento melhor”, comemora.
Atualmente, essas mulheres do babaçu são convidadas ou contratadas para treinar novos grupos e, dessa forma, se tornam referência da inovação social e da gestão dos empreendimentos comunitários com produtos que atendem nichos de mercado que valorizam a identidade sociocultural e a importância ambiental das quebradeiras de coco na conservação de uma espécie da sociobiodiversidade, que é o babaçu.
Em 2023 e 2024 foram premiados pelo governo do Maranhão duas das agroindústrias comunitárias que são parceiras dos projetos, pelo maior volume de comercialização nos respectivos anos.
Babaçu é ativo contra as mudanças climáticas
Os alimentos derivados do babaçu têm, de fato, potencial para contribuir positivamente, pois a palmeira babaçu é uma espécie típica da Amazônia e do bioma do Cerrado, regiões que funcionam como sumidouros naturais de carbono e são essenciais para a conservação da biodiversidade. O uso sustentável do babaçu em cadeias produtivas pode fortalecer sistemas agroflorestais, reduzir o desmatamento e promover uma bioeconomia que se relaciona melhor com o meio ambiente, ajudando a mitigar as emissões de gases do efeito estufa pela substituição de proteínas de origem animal por fontes vegetais.
As iniciativas recentes da pesquisa e parceiros buscam inovar na cadeia produtiva do babaçu, com foco em tecnologias que aprimorem a produção e a sustentabilidade ambiental das comunidades extrativistas. Isso reforça o papel do babaçu como um ativo/aliado importante no enfrentamento contra as mudanças climáticas no Brasil, tanto pela sua resistência ecológica quanto pelo papel social das comunidades que o manejam, especialmente na região amazônica, aliando conservação ambiental, desenvolvimento econômico local e alimentação saudável. Além disso, o uso do babaçu para o desenvolvimento de produtos inovadores fortalece a cadeia produtiva local, gera renda e promove a autonomia das comunidades quilombolas.
Contribuições ambientais do babaçu• A palmeira possui alta capacidade de regeneração natural, o que a torna uma espécie resiliente frente às alterações climáticas. • Suas folhas e frutos ajudam a preservar o solo e a biodiversidade, atuando como barreira contra erosão e mantendo o equilíbrio hídrico. • O babaçu também contribui para a captura de carbono, ajudando a mitigar os efeitos do aquecimento global. Pesquisa da Embrapa em andamento estuda os efeitos do babaçu como componente florestal do Sistema de integração Lavoura-Pecuária-Floresta |






