26 de novembro de 2025
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Europa tenta salvar de Trump ativos russos congelados

DW – Plano de paz de Trump para a guerra na Ucrânia sugere uso de ativos russos congelados na UE em benefício dos EUA. Europeus reafirmam que só eles podem decidir o que fazer com esse dinheiro.

Os líderes europeus ficaram indignados com a sugestão do presidente dos EUA, Donald Trump, de que bilhões em ativos russos congelados em países europeus possam ser usados em benefício do governo e de empresas americanas.

Após a divulgação do plano de Trump para encerrar a guerra na Ucrânia , que na sua redação inicial exigia que a Ucrânia cedesse território e reduzisse o tamanho de suas Forças Armadas, entre outros pontos polêmicos, os europeus correram para minimizar danos e apresentaram suas próprias sugestões.

“A cada dia, com as sugestões, a proposta muda”, disse o secretário de Estado americano, Marco Rubio, sobre o plano de paz, após se reunir com os europeus durante um encontro em Genebra no fim de semana passado. Ainda não está claro, porém, se os europeus vão conseguir manter o controle sobre como os ativos russos congelados serão usados.

A especialista em geoeconomia Agathe Demarais, do think tank Conselho Europeu de Relações Internacionais (ECFR), observa que os bilhões em ativos russos parecem ser a principal motivação de Trump com o plano de paz. “Trump está ávido por receber esses bilhões”, diz.

O que são esses ativos russos congelados?

Em 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, quase 300 bilhões de euros em ativos russos estavam fora do país e foram congelados no âmbito das sanções ocidentais. Esses ativos incluem contas bancárias, títulos, imóveis e iates.

Esses ativos estão espalhados por muitos países, incluindo os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido e o Japão. Mas a maior parte, em torno de 210 bilhões, está em países membros da União Europeia (UE), e a maior de todas, na Bélgica. Cerca de 185 bilhões de euros em ativos russos congelados estão depositados na Euroclear, uma instituição financeira de depósitos com sede em Bruxelas.

Desde o início da guerra, os europeus têm debatido o uso desses ativos para fazer a Rússia pagar pela guerra que iniciou. A discussão mais recente desse tipo ocorreu na cúpula realizada em outubro, quando a Bélgica vetou um “empréstimo de reparações” que a UE queria oferecer à Ucrânia para a reconstrução do país.

A Bélgica teme consequências legais se esse dinheiro for usado e pediu aos outros países da UE que assumam garantias para compartilhar o risco caso, por exemplo, a Rússia consiga recuperar os seus ativos congelados com um eventual fim da guerra. Sem obter essa garantia, a Bélgica vetou o uso do dinheiro.

A UE esperava apaziguar as preocupações do governo belga e conquistar seu apoio numa cúpula prevista para meados de dezembro. Mas o plano de paz de Trump torpedeou essa ideia e, no lugar dela, propôs o que Demarais descreve como uma proposta para “confiscar ativos russos localizados na Europa”.

Proposta de Trump e contraproposta europeia

O plano de paz de Trump, na sua redação original divulgada por diversos veículos de imprensa na quinta-feira passada, prevê que 100 bilhões de dólares (86 bilhões de euros) em ativos russos congelados fossem investidos em “esforços liderados pelos EUA para reconstruir a Ucrânia e investir nela”.

Ou, como Demarais coloca: Trump quer pegar 86 bilhões de euros de ativos russos congelados na Europa e usá-los para beneficiar tanto o governo dos EUA quanto empresas americanas.

O plano acrescenta que a Europa adicionaria a mesma quantia para dobrar o investimento total disponível para a reconstrução da Ucrânia. Esse dinheiro não viria de ativos russos congelados. “Sairia do bolso dos contribuintes europeus”, resume Demarais.

O restante dos fundos congelados, ainda mais de 200 bilhões de euros, seria colocado num mecanismo de investimento conjunto EUA-Rússia “para criar um forte incentivo para não retornar ao conflito”, como diz o plano de Trump. “Essa ideia teria três beneficiados: empresas americanas, o governo dos EUA e a Rússia”, explica Demarais.

A contraproposta apresentada por Alemanha, França e Reino Unido prevê o uso dos fundos soberanos russos congelados para a reconstrução da Ucrânia. Os ativos de Moscou congelados na Europa “permanecerão congelados até que a Rússia indenize a Ucrânia pelos danos causados” com a guerra, segundo o plano de paz reescrito pelos europeus.

A proposta na qual a UE está trabalhando já há um ano prevê que os ativos russos congelados sejam investidos num instrumento de dívida de longo prazo e sem juros da Comissão Europeia. Esse, por sua vez, financiaria um empréstimo de 140 bilhões de euros para a Ucrânia, que Kiev teria que devolver somente se a Rússia a indenizar pelos danos de guerra após o fim do conflito.

“Essa é uma forma de avançar de alguma maneira sem confiscar os ativos russos”, comenta o especialista Philip Bednarczyk, diretor do escritório de Varsóvia do think tank German Marshall Fund (GMF).

“Ainda estamos num ponto intermediário, mas certamente numa situação muito melhor do que a proposta no plano de 28 pontos de Trump – que dava aos EUA e à Rússia o direito de opinar sobre o destino desses ativos congelados sem consultar os europeus”, diz Bednarczyk.

EUA podem usar ativos russos congelados na Europa?

Os Estados Unidos detêm apenas cerca de 5 bilhões de dólares em ativos russos congelados e, como lembra a especialista em segurança internacional Jana Kobzova, do ECFR, não podem decidir sobre como usar ativos mantidos em países europeus, mas apenas sobre os em sua própria jurisdição.

Num artigo para o ECFR, Kobzova argumenta que os europeus devem insistir “que o público europeu aceitaria o uso de ativos russos congelados na Europa para estabilizar a Ucrânia”, mas que “seria difícil de aceitar que eles gerem apenas lucros exorbitantes para investidores americanos”.

Os líderes europeus deixaram clara sua oposição ao plano de Trump. “Ativos russos mantidos em Bruxelas não podem ser pagos aos americanos, isso é impensável”, disse o chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz, numa entrevista à DW.

“É claro que as questões que dizem respeito diretamente à União Europeia, como sanções, alargamento ou congelamento de ativos requerem o envolvimento completo e a decisão da União Europeia”, sublinhou o presidente do Conselho Europeu, António Costa.

O presidente francês, Emmanuel Macron, disse à rádio francesa RTL que só os europeus podem decidir o que fazer com os ativos que eles mantêm.

Bednarczyk diz que, em princípio, os europeus não se opõem a colaborar numa estratégia com os EUA sobre o uso de ativos russos congelados e que, sob o governo do ex-presidente Joe Biden, queriam decidir coletivamente sobre isso.

Mas essa posição mudou, comenta Bednarczyk. “A dinâmica mudou. Trump tem muito menos consideração pela posição europeia e muitas vezes ignora a Europa.”

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