A vida dos milionários na capital do ‘agroluxo’ no Brasil
Antes focados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, grifes internacionais, serviços de jatinho, concessionárias de Porsches e Ferraris e corretores de apartamentos suntuosos estão cada vez mais mirando um novo destino no Brasil: Goiânia.

Capital mais populosa e com maior Produto Interno Bruto (PIB) do Centro-Oeste — sem considerar a capital nacional, Brasília —, Goiânia está se consolidando como o centro de comércio e serviços, inclusive nos mercados de alto poder aquisitivo, da região, cujo crescimento econômico e até populacional é movido, em boa parte, pela pujança do agronegócio.
A ascensão de Goiânia já gerou até um padrão estético local que virou brincadeira nas redes sociais: a “arquitetura greco-goiana”, marcada por elementos como colunas e frontão de estilo neoclássico (que por sua vez tem como referência a arquitetura greco-romana) e portas enormes, muito maiores do que as convencionais.
Agora, as madames de Goiânia viraram o foco de um novo reality show, Poderosas do Cerrado, exibido por Globoplay e GNT. Lançada no fim de outubro, a série tem nove capítulos e mostra a face da nova riqueza da capital de Goiás por meio de seis mulheres da vida real.
Algumas fazem parte de uma economia mais tradicional, ligada ao agronegócio, enquanto outras representam novos ramos, como o de eventos de luxo e dos influenciadores.
As “poderosas” são Roseli Tavares, herdeira de uma família com vastas terras no interior de Goiás dedicadas à pecuária; a influenciadora Layla Monteiro; a empresária Thaily Semensato, CEO (diretora-executiva) do um e-commerce de bebidas e que atua em eventos de degustação de produtos refinados; Andrea Mota, que foi esposa do falecido cantor sertanejo Leandro e hoje atua no setor de moda; e as irmãs Tana e Cristal Lobo, que trabalham com eventos de luxo.
O programa é embalado por músicas de country americano e sertanejo — outro símbolo desta nova fronteira econômica e estética do Brasil. Um dos marcos de Goiânia é o festival Villa Mix, que vem crescendo desde a primeira edição, em 2011 e atrai hoje também nomes da música pop e até atrações internacionais, como Demi Lovato.
O reality show colocou assim em evidência como o consumo no Centro-Oeste está se transformando e movimentando cifras milionárias e, como contam especialistas e profissionais deste ramo à BBC News Brasil, por que Goiânia se tornou o epicentro disso.
Em Goiânia, a maior boutique da Chanel no Brasil

A personal stylist Keila Moura percebe na agenda agitada o crescimento da demanda por serviços personalizados como o seu, dedicado a auxiliar na escolha do que vestir — e comprar.
“Havia algum preconceito com a função, diante de uma visão de que era algo destinado apenas a artistas e quem tinha muito dinheiro”, conta Keila, que atua em Goiânia e também trabalha com consultoria sobre posicionamento online.
Segundo ela, com a pandemia e a maior pressão pela imagem nas redes sociais, sua área de atuação ganhou mais força. E a chegada de grifes à vizinhança ajuda.
Gucci e Louis Vuitton têm lojas no Shopping Flamboyant, símbolo máximo do luxo em Goiânia. Em 2024, a Chanel abriu no mesmo local a sua maior boutique do Brasil.
“As marcas entenderam que há um grande poder aquisitivo na região, especialmente pelas mulheres serem muito vaidosas. Muitas pessoas gostam da comodidade de terem as peças perto de casa, podendo, por exemplo, comprar no mesmo dia para uma festa à noite”, diz Keila.
Para a personal stylist, a maior sensação de segurança em Goiânia facilita o uso e exibição de itens de luxo — o que pode gerar receio em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, muitas vezes vistas como mais violentas.
Goiânia teve em 2024 a sexta menor taxa de mortes violentas intencionais do país, 14,9 por 100 mil habitantes, entre as capitais medida pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Foi pior do que São Paulo, que tem a menor taxa entre as capitais (7,9) e melhor do que o Rio de Janeiro (20,4).
Essa taxa inclui registros de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora.
Mas em outro crime que influencia na percepção de segurança, o roubo e furto de celular, Goiânia ficou em 24º lugar. Já São Paulo e Rio ficaram em 3º e 20º respectivamente.
‘Nóis é jeca, mas é joia’

Em uma cena de Poderosas do Cerrado, a fazendeira Roseli Tavares afirma que ganhou “tequeta” após contratar os serviços de uma personal stylist, como sugerido pelas colegas.
Ela prontamente é repreendida pela empresária Thaily Semensato: deveria pronunciar “etiqueta”, já que “a elegância vem do falar”.
A fazendeira responde: “Nós fala errado porque quer, estudado nós é. Claro que sei que é etiqueta”.
Ao longo da série, as companheiras alegam que a participante força um personagem interiorano.
Enquanto isso, uma expressão frequentemente falada no programa é “nóis é jeca, mas é joia”, indicando a coexistência da simplicidade com a apreciação das “coisas boas”.
Para o pesquisador Aldenir Chagas, que estudou o sertanejo cantado por mulheres como Marília Mendonça e Simone & Simaria em doutorado na Universidade Federal de Catalão (UFCat), a estética impulsionada na região mistura justamente referências de simplicidade e de luxo.
Ela cita o exemplo da cantora Ana Castela, nascida no Mato Grosso do Sul. Nas letras, o pertencimento ao agronegócio, visto como um trabalho duro que alimenta o país e o mundo, é valorizado. Uma vida supostamente mais simples é exaltada.
“Nos últimos anos, a Ana Castela foi uma figura que saiu da lógica feminejo e passou a levantar a bandeira de sujar a bota e usar chapéu, algo bem identitário do agro”, afirma Alves, que aponta também para a ostentação exibida.
“Apresentam colheitadeiras que custam até R$ 3 milhões em clipes destas músicas”, afirma. “Roupas e carros também são muito presentes.”
Para Gustavo Alonso, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor do livro Cowboys do Asfalto, as referências à vida rural não necessariamente fazem parte do cotidiano das pessoas que as consomem em ambiente urbanos como o de Goiânia.
“Existe certa figura de pessoas da fazenda que ficam um tanto deslocadas na cidade. Hoje, onde há urbanização, este cenário rural já não é a realidade diária para grande maioria. Em muitos casos, o ambiente apenas remete a algo como a infância ou férias”, aponta Alonso.
Nesse cenário, serviços que buscam aproximar esses grupos de gostos de outras elites urbanas prosperam, como os coaches que ensinam a navegar no mundo dos vinhos.
Clube da Porsche

A transição do interior para a zona urbana se expressa nos carros.
Enquanto em cidades pequenas e médias ligadas ao agronegócio as caminhonetes seguem como os grandes objetos de desejo, em Goiânia, modelos mais esportivos são os mais buscados, segundo entrevistados do ramo.
Nas áreas rurais, a força do agro é demonstrada pelo número de Dodge Rams e Hilux circulando; já na capital de Goiás, Porches e Ferraris são referências.
“As caminhonetes já não estão vendendo tanto. Foi-se o tempo. O que se vende muito hoje são Porsches, de vários modelos”, conta Hugo Borges, influenciador do segmento de carros de luxo, conhecido nas redes como Xenão.
Um destes modelos com grande saída, o Porsche 718, costuma ultrapassar o valor de R$ 1 milhão nas concessionárias.
Borges afirma que Goiânia acabou virando um centro para envio desses carros para todo o Brasil, com lojas locais sendo muito procuradas através do Instagram.
Marcelo Medeiros, que comanda a One Boss, concessionária de veículos de luxo e de estética automotiva em Goiânia, afirma que já atendeu carros de clientes que chegam ao valor de R$ 8 milhões.
“Temos encontros de carros que contam com Ferraris e Lamborghinis. Além disso, frequento o clube da Porsche, que se reúne semanalmente, contando com 50 a 60 pessoas”, conta Medeiros, para quem os carros são marcas de êxito pessoal.
Com o lema “a vida é curta demais para dirigir carros sem graça”, a concessionária vende desde modelos clássicos, como o Dodge Dart — que, em um modelo 1975, sai por R$ 189.900 —, até carros mais novos, na casa dos milhões.
No catálogo, há um Dodge Viper 2013 cotado em R$ 3 milhões e um Lamborghini Gallardo 2011 por R$ 1,4 milhão.
