Quanto custam benefícios do governo aos mais ricos?
Quanto o governo deixa de arrecadar com renúncias fiscais que beneficiam principalmente a fatia mais rica da população?

Nas contas da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), em estudo inédito, esses valores devem chegar a R$ 618,4 bilhões em 2026 — ou quase quatro vezes o orçamento previsto para o Bolsa Família no próximo ano (R$ 158 bilhões).
As renúncias fiscais — também chamadas de gasto tributário na linguagem mais técnica — são valores que o governo deixa de arrecadar em impostos, ao conceder isenções, anistias, subsídios e benefícios tributários para setores econômicos, atividades ou grupos sociais específicos.
“Alguns benefícios são importantes”, pondera Mauro Silva, presidente da Unafisco.
“Agora, nem todos. Se os benefícios fiscais concedidos não atingem certos objetivos — como a busca do pleno emprego, o desenvolvimento sustentável e a redução de desigualdades —, temos aí um problema. É justamente aí que surge a figura dos ‘privilégios tributários’.”
Em seu levantamento, a Unafisco considera como “privilégios tributários” os benefícios fiscais que não teriam uma contrapartida social comprovada por estudos técnicos, na visão da entidade sindical.
Porém, para além dos gastos tributários apontados anualmente pela Receita Federal em seu Demonstrativo dos Gastos Tributários (DGT), que acompanha o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), a Unafisco adota um conceito mais amplo, incluindo na sua conta outras três renúncias que considera relevantes:
- a isenção de lucros e dividendos distribuídos por pessoa jurídica — imposto que o Brasil é um dos poucos países do mundo a não cobrar;
- a não instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) — previsto na Constituição e até hoje não regulamentado pelo Congresso, cuja omissão legislativa foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro deste ano;
- e os programas de parcelamentos de débitos tributários, como o Programa de Recuperação de Créditos Fiscais (Refis) e o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) — já encerrados pelo governo, mas que ainda têm efeitos negativos para a arrecadação, por gerarem um comportamento deletério nos contribuintes, que deixam de pagar impostos no prazo, esperando por esses programas.
Assim, a Unafisco estima que os gastos tributários chegarão a um total de R$ 903,3 bilhões em 2026.
Desse montante, a entidade considera que R$ 618,4 bilhões — ou 68% do gasto tributário total — seriam “privilégios tributários”, ou seja, renúncias sem contrapartida comprovada para a sociedade.
Os dez maiores somam R$ 479,6 bilhões, ou 78% dos privilégios totais.
Os maiores ‘privilégios’ fiscais
No topo da lista, a isenção de lucros e dividendos deixa de gerar R$ 146,1 bilhões ao cofres públicos, nas contas da entidade, já descontando R$ 32 bilhões que deverão passar a ser arrecadados quando a reforma do Imposto de Renda entrar em vigor, com a taxação dos dividendos em 10%.
Apesar de a reforma trazer o fim da isenção total, ela ainda taxa os dividendos abaixo de outras rendas, taxadas atualmente a um alíquota nominal entre 15% e 27,5%. Assim, na avaliação da Unafisco, lucros e dividendos seguem tendo benefício fiscal no Brasil e, por isso, entram na conta.
“Quando a União não inclui no gasto tributário a isenção para lucros e dividendos, isso retira do Legislativo uma oportunidade de debate”, argumenta Silva.
“Eles não são informados o quanto essa isenção traz de prejuízo ao país. Sabemos que temos R$ 1 trilhão de dividendos distribuídos [anualmente no Brasil], e é preciso que isso faça parte desse debate entre Executivo e Legislativo na elaboração do Orçamento.”
O segundo item de maior peso, nas contas da Unafisco, é a não instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), com uma arrecadação potencial estimada em R$ 100,5 bilhões.
“Se trata de uma omissão do Legislativo”, argumenta o presidente da Unafisco, lembrando da decisão recente do STF reconhecendo essa omissão — o Supremo, no entanto, não estabeleceu um prazo para que isso seja resolvido.
A taxação dos super-ricos foi uma das principais bandeiras do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu terceiro mandato. Com esse objetivo, o governo propôs a reforma do Imposto de Renda (IR), aprovada em outubro pelo Congresso e sancionada por Lula em novembro.
A lei aprovada prevê a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil e descontos para aqueles com renda de até R$ 7.350 mensais. Para compensar a perda de arrecadação, serão taxados em até 10% os contribuintes com renda acima de R$ 600 mil por ano, com a taxação de lucros e dividendos na fonte a 10%, para montantes acima de R$ 50 mil por mês pagos por uma mesma pessoa jurídica.
A reforma aprovada incide sobre a renda dos mais ricos, diferentemente do IGF, um imposto sobre o patrimônio, cuja eficiência é questionada por alguns economistas.

