O Brasil desmatou a Amazônia por nova estrada para COP30?
Figuras como Donald Trump têm usado obra da Avenida Liberdade no Pará para tentar deslegitimar conferência do clima. Projeto local é controverso, mas é anterior à COP30 e ainda não foi concluído.

Uma polêmica tomou conta da esfera conservadora nas redes sociais desde que, dias antes da COP30 , o presidente Donald Trump criticou a conferência das Nações Unidas por supostamente ter provocado impacto ambiental negativo em Belém. Compartilhando uma notícia veiculada pela rede americana Fox News, o líder dos EUA afirmou que a floresta amazônica foi desmatada para a construção de uma rodovia que serviria ao megaevento.
“Eles devastaram a floresta tropical no Brasil para construir uma rodovia de quatro faixas para ambientalistas. Isso virou um grande escândalo!”, disse uma publicação de Trump na sua rede social, a Truth Social.
Canais conservadores, inclusive no Brasil, passaram a espalhar que 100 mil árvores haviam sido cortadas pela rodovia, no que interpretaram como uma contradição para uma conferência que discute como proteger o planeta das mudanças climáticas . O desmatamento é a principal fonte no Brasil de emissões de carbono, que provocam o aquecimento global.
Entretanto, a DW checou se a COP30 de fato foi a causa da obra e responsável pelo desmatamento da floresta amazônica em Belém. A afirmação é enganosa, uma vez que tenta simplificar o que, na verdade, é um caso complexo antigo no debate sobre a infraestrutura da região metropolitana de Belém.
Afirmação enganosa
É verdade, por um lado, que há impacto ambiental associado à construção da Avenida Liberdade, de aproximadamente 13 quilômetros de extensão, cujo objetivo é reduzir a sobrecarga da mobilidade urbana em Belém e seus arredores. Por outro lado, a construção não é um projeto novo nem foi ainda concluído.
O caso tem sido usado há oito meses por perfis dedicados a descredibilizar a COP30, minimizar a necessidade de ação contra o aquecimento global e negar a existência das mudanças climáticas . A polêmica, entretanto, recuperou tração em novembro, quando a conferência sobre o clima começou.
Segundo a Secretária Extraordinária para a COP30, vinculada à Casa Civil, a construção não fez parte das 33 obras de infraestruturas previstas para a realização da COP30.
A previsão inicial era de que a rodovia ficasse pronta em outubro de 2025, mas apenas 80% dos trabalhos haviam sido concluídos no fim do mês passado, a cerca de duas semanas da conferência. A nova data de entrega é projetada para o primeiro trimestre de 2026, de acordo com a imprensa paraense.
Plano antigo, demanda nova
Uma das portas de entrada para a Amazônia, Belém há anos sofre com o congestionamento na BR-316. Os planos para criar uma rota alternativa começaram há mais de uma década e, com a COP30, ganharam impulso.
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), começou a discutir a proposta formalmente com a Prefeitura de Belém em 2017. Em 2020, ele buscaria aprovação da Assembleia Legislativa do estado para levar o projeto adiante.
O governo realizou em dezembro de 2023 audiência pública sobre o projeto da Avenida Liberdade, a última etapa para o licenciamento e início das obras. Sete meses antes, Belém havia sido escolhida como sede da COP30.
Embora o anúncio da COP30 tenha ajudado a acelerar o progresso da obra, não foi ele que originou o projeto, como Ana Claudia Cardoso, professora da Universidade Federal do Pará, disse à agência de notícias Reuters em março.
“Já se falava deste projeto há mais de 20 anos, mas havia muita resistência. A necessidade de preparar a cidade para um megaevento acaba dando a justificativa necessária,” explicou.
O governo do estado do Pará afirma que a Avenida Liberdade oferecerá viagens mais rápidas e seguras, reduzindo acidentes e desviando o tráfego da BR-316.
Sustentabilidade em xeque
A Avenida Liberdade corta a Área de Proteção Ambiental da Região Metropolitana de Belém (APA), que abrange Belém e Ananindeua. Por lei, uma APA é uma área em geral extensa, com limitada atividade humana, “onde se deve proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.”
O traçado da rodovia segue uma linha de cabos de energia já existente, onde parte da vegetação já havia sido removida antes do início da construção da Avenida Liberdade, afirma o governo do Pará. A DW conferiu a afirmação por imagens de satélite.
“A ausência de necessidade de desapropriação (de moradores) e o acompanhamento do linhão da Eletronorte aceleram a obra e reduzem o impacto ambiental, evitando avanços sobre áreas de proteção ambiental”, disse Barbalho em junho.
O jornal O Estado de S. Paulo, entretanto, reportou riscos para a fauna local previstos no próprio projeto, citando ainda especialistas e comunidades locais que temem efeitos ambientais e sociais mais amplos. Um dos focos de preocupação é Parque do Utinga, que deverá sofrer com mais poluição, barulho e expansão urbano resultantes da obra de infraestrutura.
Autoridades descrevem o projeto como sustentável por reduzir emissões de carbono, diminuir o tempo de viagem e contar com passagens para animais selvagens, ciclovias e iluminação movida a energia solar.
Protestos de comunidades locais
Embora o governo afirme ter consultado as comunidades afetadas, já foram reportados protestos na região contra a obra. Em outubro de 2024, a construção foi interrompida por dois dias depois que a comunidade local exigiu ser consultada, conforme reportou a agência Pública.
