Dino derruba ‘jaboti’ do orçamento e gera crise
Por Raimundo Borges

O Imparcial – O cobiçado emprego de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), olhado de fora, parece moleza, com tanto poder, mordomias e privilégios. Mas nem tudo é o que parece ser. Domingo passado, 21/11, enquanto a população do Brasil se aglomerava nos shoppings e no comércio popular portando as listas de presentes e lembrancinhas de Natal, do gabinete do ministro Flávio Dino, do STF, saía a decisão de suspender uma manobra nada sutil do Congresso Nacional, com um “jabuti” de R$ 1,9 bilhão pendurado no orçamento de 2026. Os parlamentares incluíram na lei um remendo que obriga o governo a pagar emendas do antigo “Orçamento Secreto” entre 2019 e 2023.
Na pressa de aprovarem o orçamento federal antes do recesso, os deputados e senadores incluíram um artigo que corta vários benefícios sociais e autorizaram a revalidação de restos a pagar não processados desde 2019, inclusive valores já cancelados, permitindo sua liquidação até o final de 2026. Um autêntico “jabuti” — arranjo colocado em projetos de lei de forma sorrateira, para ver se passa. Esse tipo de manobra foi adaptado à famosa frase do cacique Vitorino Freire: “Quando se vê jaboti trepado, foi enchente ou mão de gente”. No caso do Congresso, onde é impossível haver enchente, o “jabuti” é manobra dos parlamentares na ganância de compartilhar o dinheiro do orçamento.
Para Dino, a manobra autoriza o pagamento de “montantes expressivos” remanescentes das emendas de relator (RP-9), nome técnico do popularmente conhecido Orçamento Secreto, considerado inconstitucional pela Corte por falta de transparência, rastreabilidade e critérios objetivos. Portanto, a medida liminar foi decidida em uma ação apresentada por deputados federais do PSOL e do partido Rede Sustentabilidade, na tentativa de impedir que o presidente Lula sancionasse o orçamento, “contaminado” com o “jaboti” de R$ 1,9 bilhão, fora os R$ 61,4 bilhões das emendas novas. Agora, a liminar, no entanto, passará pelo referendo do plenário da Suprema Corte, em meio a reação política ameaçadora.
Embora o projeto da LOA tenha permitido aumentar a arrecadação da União com mais taxação das bets e fintechs, o Congresso procurou um atalho para reforçar ainda mais a absurda sangria de R$ 61,4 bilhões, aprovada no texto orçamentário só em emendas parlamentares no ano eleitoral de 2026. De qualquer forma, a decisão de Dino reaquece, de fato, o embate institucional entre o Parlamento e o Supremo. Afinal, esse tipo de ingerência do Congresso no orçamento federal tem sentido multifacetado. Primariamente, opera como instrumento de pressão política sobre o Executivo, sob o argumento de atender às demandas das bases eleitorais de cada parlamentar.
Como o Centrão e a direita bolsonarista formam maioria na Câmara e no Senado, o presidente Lula se encontra acuado, enfrentando derrotas parlamentares num Congresso cada vez mais influente, a ponto de reduzir a capacidade do Executivo de investir em infraestrutura e setores essenciais à população. Os R$ 61,4 bilhões em emendas vão sair de cortes em programas sociais como Pé-de-Meia e Auxílio Vale Gás. Porém, há a previsão de R$ 34,5 bilhões em superávit no próximo ano e o estabelecimento do mínimo de R$ 83 bilhões para investimentos públicos, na previsão geral de despesas e receitas no valor de R$ 6,5 trilhões.
No entanto, a decisão de Dino faz aumentar a tensão entre o STF e o Congresso. Para se ter uma ideia, desde 2020 o Senado já acumula nada menos que 99 pedidos de impeachment contra ministros do STF. Tais ações aumentaram desde decisões da Corte sobre o combate à Covid-19 (governo Bolsonaro) até a condução do chamado inquérito das fake news. Depois de 2022, Alexandre de Moraes, como relator do inquérito antigolpe, e Flávio Dino, do antiemendas Pix, são os principais alvos dos pedidos de impeachment. Um projeto que redefine tal ação tem como relator o senador pedetista Weverton Rocha (PDT), que o engavetou para 2026, mas recebeu uma operação de busca da PF em suas casas, autorizada pelo ministro André Mendonça.
