Banco Master: depoimentos de Vorcaro e de diretor do BC abrem novo capítulo da investigação no STF
A liquidação do Banco Master pelo Banco Central (BC) e as suspeitas de fraudes financeiras envolvendo também o Banco Regional de Brasília (BRB) viraram alvo do Supremo Tribunal Federal (STF), em meio a questionamentos envolvendo decisões do ministro Antonio Dias Toffoli, relator da investigação na Corte.

Após levar a investigação para o STF e decretar sigilo sobre o caso, o ministro marcou uma acareação entre o dono do Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do banco BRB Paulo Henrique Costa, e um dos diretores do BC, Ailton de Aquino, nesta terça-feira (30/12).
Na véspera do procedimento, porém, o STF esclareceu que, na verdade, os três prestarão depoimentos separadamente à Polícia Federal, num aparente recuo de Toffoli. Depois disso, a delegada responsável fará a acareação, caso considere necessário.
Acareações servem para esclarecer controvérsias em versões dadas em uma investigação ou processo. No entanto, nesse caso, a medida foi marcada por Toffoli apesar da oposição do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Gonet avaliou que o procedimento seria prematuro, já que ainda não haviam sido colhidos depoimentos dos envolvidos com possíveis contradições a serem esclarecidas.
O Banco Central, por sua vez, apresentou um pedido de esclarecimentos sobre a participação de Ailton de Aquino na acareação.
No sábado (27/12), ao julgar esse recurso, Toffoli manteve o procedimento e informou que nem o BC nem o diretor eram alvos de investigação. Apesar disso, considerou que seria “salutar” sua participação.
“Tendo em vista que o objeto da investigação tange à atuação da autoridade reguladora nacional, sua participação nos depoimentos e acareações entre os investigados é de especial relevância para esclarecimento dos fatos”, disse o ministro, na decisão.
Segundo o STF, os depoimentos começaram por volta de14h desta terça e estão sendo realizados presencialmente na Corte. Esses procedimentos são acompanhados por um juiz auxiliar do gabinete de Toffoli e pelo Ministério Público.
O BRB, banco público do Distrito Federal, chegou a tentar comprar o Master, mas o Banco Central não autorizou o negócio. Há suspeitas de fraudes sobre operações bilionárias
entre as duas instituições.
Diretor de fiscalização do BC, Ailton de Aquino se manifestou a favor da compra do Master pelo BRB, mas sua posição ficou vencida dentro da autoridade monetária, que optou pela liquidação da instituição.
O caso Master também revelou uma rede de contatos de Vorcaro com autoridades em Brasília, que vão de políticos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro a ministros do STF, como o próprio Toffoli e o ministro Alexandre de Moraes, cuja esposa tem um contrato milionário como advogada do banco liquidado.
Segundo o jornal O Globo, que revelou a existência do contrato da mulher de Moraes com o banco, o ministro teria pressionado o presidente do BC, Gabriel Galípolo, sobre a venda do banco Master, o que ambos negam.
Um pedido de investigação contra o ministro foi arquivado pelo procurador-geral da República, que avaliou não haver indícios de crime na contratação de sua esposa.
No caso de Toffoli, o ministro viajou para assistir à final da Libertadores entre Flamengo e Palmeiras, em Lima, no Peru, no mesmo voo particular que um advogado de um dos diretores do banco.
A coincidência chamou atenção porque a viagem ocorreu no final de novembro, logo após Toffoli ter sido sorteado para relatar o recurso apresentado pela defesa de Daniel Vorcaro na Corte.
No dia seguinte ao sorteio, o ministro embarcou no jatinho em que estava o advogado Augusto Arruda Botelho, defensor de um dos diretores do Master e ex-secretário Nacional de Justiça no início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No voo, estavam também o empresário Luiz Oswaldo Pastore, dono da aeronave, e o ex-deputado Aldo Rebello.
O ministro confirmou que viajou no avião e afirmou a interlocutores, segundo o jornal O Globo, que não discutiu o processo durante o trajeto.
Pouco depois, em 3 de dezembro, Toffoli colocou o caso sob sigilo e decidiu transferir o inquérito para o STF, sob sua própria relatoria, atendendo ao pedido de um diretor do Master — o mesmo pleito feito anteriormente pelos advogados de Vorcaro.
Ele acolheu a solicitação com base na citação de um deputado federal nas investigações, autoridade com prerrogativa de foro privilegiado.
O ministro justificou o sigilo afirmando que o inquérito envolve informações econômicas sensíveis, com potencial impacto no mercado financeiro. Na prática, todas as decisões futuras sobre a investigação passam a ser tomadas por ele, e não mais pela Justiça Federal em Brasília.
As controvérsias envolvendo Moraes e o BC

No caso de Alexandre de Moraes, o ministro virou alvo de questionamentos após a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, ter noticiado que ele teria procurado o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, pelo menos quatro vezes para fazer pressão a favor do Banco Master.
Segundo a colunista, ao menos três contatos foram por telefone e um foi presencial para tratar de problemas sobre o banco de Daniel Vorcaro.
Em nota divulgada na quarta-feira (24/12), a assessoria do STF afirmou que Moraes teve duas reuniões com o presidente do BC para tratar dos efeitos da Lei Magnitsky — “a primeira no dia 14/08, após a primeira aplicação da lei, em 30/07; e a segunda no dia 30/09, após a referida lei ter sido aplicada em sua esposa, no dia 22/09. Em nenhuma das reuniões foi tratado qualquer assunto ou realizada qualquer pressão referente à aquisição do Master pelo BRB”.
A Magnitsky é uma lei americana que pune estrangeiros que considera autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção. Moraes foi sancionado pela lei no fim de julho, e sua esposa, em setembro — em meio a críticas do governo de Donald Trump a ações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro na Justiça brasileira, muitas delas relatadas por Moraes.
Mas, no início de dezembro, o governo Trump retirou Moraes e a esposa da lista dos sancionados pela Magnitsky.
De acordo com a nota, Moraes não esteve no Banco Central e não ligou para Galípolo para tratar do assunto.
“Esclarece, ainda, que jamais esteve no Banco Central e que inexistiu qualquer ligação telefônica entre ambos, para esse ou qualquer outro assunto. Por fim, esclarece que o escritório de advocacia de sua esposa jamais atuou na operação de aquisição Master-BRB perante o Banco Central”, diz nota do STF.
Após o comunicado do STF, o Banco Central também emitiu uma nota para confirmar que reuniões com Moraes foram feitas para tratar dos efeitos da sanção aplicada pelos Estados Unidos.
No último dia 12, a Polícia Federal (PF) encontrou no celular de Vorcaro um contrato de R$ 129 milhões firmado com o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes.
O valor também foi revelado pelo jornal O Globo. O documento, localizado na Operação Compliance Zero em 18 de novembro, previa pagamentos mensais de R$ 3,6 milhões ao escritório por três anos a partir de 2024.
O contrato, ainda segundo o jornal, não especificava processos ou causas determinadas. Estabelecia uma atuação ampla, determinando que o escritório representaria o banco “onde fosse necessário”.
Embora o Master tenha sido liquidado e o acordo não tenha sido executado até o fim, mensagens trocadas entre executivos indicavam que o pagamento ao escritório era tratado internamente como prioridade, afirma a reportagem.
Além de Viviane, os filhos do casal, também integrantes da banca, aparecem em ao menos um processo ligado a Vorcaro.
Essas informações levaram o advogado Enio Martins Murad a apresentar um pedido de investigação contra Moraes, que foi recusado pela PGR.
“No que tange ao contrato mencionado entre a Doutora Viviane Barci de Moraes e o Banco Master, não se vislumbra, a priori, qualquer ilicitude que justifique a intervenção desta instância”, justificou Paulo Gonet.
Segundo o procurador-geral, não é da competência da Suprema Corte “a ingerência em negócios jurídicos firmados entre particulares, especialmente quando resguardados pela autonomia intrínseca à atividade liberal da advocacia”.
