São Luís e as enchentes: repensando o planejamento urbano em tempos de crise climática
Por Maria Paula Velten*
Por mais um ano as fortes chuvas têm causado alagamentos e deslizamentos de terra em todo o país, gerando diversos prejuízos para a população e o governo. No Maranhão, as chuvas intensas têm atingido vários municípios, incluindo a capital São Luís.
A precipitação se intensifica principalmente entre dezembro e maio — período definido como verão em outros estados do país, mas conhecido como estação chuvosa no Maranhão.
A temporada de chuvas traz consigo diversos transtornos: inundações de residências e comércios, trânsito caótico e danos à infraestrutura urbana, com ruas, avenidas e bairros alagados.
No Maranhão, esses transtornos já se tornaram habituais. Ano após ano, nos deparamos com as mesmas notícias sobre alagamentos, pessoas desabrigadas e cidades declarando estado de emergência.
Como sempre, a desigualdade social determina quem será mais afetado. É certo que o governo busca remediar a situação, oferecendo auxílio e prestando assistência às famílias afetadas pelas enchentes.
Contudo, penso que apenas remediar não é a melhor solução. Os alagamentos que assolam São Luís, especialmente nos períodos de chuvas intensas, não são meros fenômenos naturais.
São, em grande parte, consequência de um modelo de urbanização que prioriza o concreto em detrimento da natureza, a expansão desordenada sobre o planejamento estratégico e o individualismo sobre o bem coletivo.
Nesse contexto, o planejamento urbano surge como ferramenta essencial não apenas para mitigar os impactos das mudanças climáticas, mas também para repensar a relação entre sociedade, poder público e meio ambiente.
Atualmente, muito se fala em cidades sustentáveis. No entanto, para que uma cidade mereça esse título, é necessária a implementação de políticas urbanas que busquem integrar a cidade em uma escala de atuação global.
Em outras palavras, as cidades devem ser pensadas e planejadas como ecossistemas vivos que fazem parte de um todo, onde há responsabilidade na utilização dos recursos naturais por parte dos gestores.
Em São Luís, isso significa repensar o uso do solo, investir em sistemas de drenagem sustentáveis e promover a criação de espaços públicos que funcionem como “esponjas urbanas”, capazes de absorver e reter a água das chuvas.
Projetos inovadores, como as “cidades-esponja” na China, mostram que é possível integrar soluções baseadas na natureza ao planejamento urbano.
Essas cidades utilizam parques, jardins de chuva, telhados verdes e pavimentos permeáveis para reduzir enchentes e recarregar aquíferos. Iniciativas semelhantes poderiam ser implementadas em áreas críticas de São Luís, como os bairros da Liberdade e do Anjo da Guarda, onde os alagamentos são frequentes.
Além disso, para superar os limites da expansão desordenada da cidade, seria necessário adotar uma abordagem integrada, considerando não apenas aspectos da infraestrutura física, mas também as dinâmicas sociais e ambientais.
Isso inclui a regularização fundiária, a criação de zonas de proteção ambiental e a promoção de habitação social em áreas seguras e bem servidas de infraestrutura.
O poder público tem um papel central na promoção de políticas urbanas sustentáveis, mas a responsabilidade não é exclusiva do Estado.
Como lembra Jane Jacobs em “Morte e Vida de Grandes Cidades”, a vitalidade urbana depende da participação ativa dos cidadãos. Em São Luís, é urgente envolver a população na discussão sobre o futuro da cidade, promovendo campanhas de educação ambiental e incentivando práticas sustentáveis no dia a dia.
Um exemplo claro dessa necessidade é o problema do lixo nas ruas da cidade, que se agrava durante o Carnaval. O acúmulo de resíduos não apenas contribui para os alagamentos, mas também aumenta o risco de doenças como dengue e leptospirose.
Para mudar esse cenário, o poder público pode adotar medidas como campanhas de conscientização da população sobre o cuidado com os espaços coletivos e bens públicos, melhorias na infraestrutura da cidade, mutirões de limpeza, promoção de arte urbana e incentivos fiscais para bairros que se destacarem em práticas sustentáveis.
Como demonstrado, políticas públicas bem planejadas, integradas a redes sustentáveis e apoiadas pela participação cidadã, podem transformar a cidade em um espaço mais resiliente e justo.
A mudança começa com pequenas ações, como o descarte correto do lixo, mas exige também um compromisso coletivo com o futuro do planeta.
Os alagamentos em São Luís são mais um alerta urgente para repensarmos nosso modelo de desenvolvimento urbano, e é preciso agir antes de maiores prejuízos e sofrimento.
* Maria Paula Velten, Arquiteta e Urbanista