Em março, Israel fechou todas as passagens para Gaza, impedindo a entrada de todos os produtos, incluindo alimentos, combustível e medicamentos — e retomou sua ofensiva militar duas semanas depois, encerrando um cessar-fogo de dois meses com o Hamas.

O bloqueio também cortou o fornecimento de medicamentos essenciais, vacinas e equipamentos médicos necessários para o sistema de saúde de Gaza, que está sobrecarregado.

O Ministério das Relações Exteriores de Israel disse no domingo que 4,4 mil caminhões com ajuda humanitária entraram em Gaza vindos de Israel desde meados de maio. Outros 700 caminhões estavam esperando para serem retirados pela ONU do lado de Gaza de seus pontos de passagem, acrescentou.

Israel insiste que não há escassez de ajuda no território, e acusa o Hamas de roubar e armazenar ajuda humanitária para dar aos seus combatentes ou vender para arrecadar dinheiro.

Na segunda-feira (21/07), 28 países, incluindo Reino Unido, Canadá e França, pediram o fim imediato da guerra em Gaza, onde, segundo eles, o sofrimento dos civis “atingiu novos patamares”.

Uma declaração conjunta destacou que o modelo de distribuição de ajuda adotado por Israel é perigoso, e condenou o que chamou de “fornecimento de ajuda a conta gotas e a morte desumana de civis” em busca de comida e água.

O Ministério das Relações Exteriores de Israel rejeitou a declaração dos países, dizendo que estava “desconectada da realidade, e envia a mensagem errada ao Hamas”.

Mas há relatos quase diários de palestinos mortos em busca de ajuda desde que a GHF, apoiada por Israel e pelos EUA, começou a distribuir ajuda no fim de maio.

‘Estamos desamparados’

Uma criança com uma panela enorme na mão na esperança de coletar comida para si e sua família
O Programa Mundial de Alimentos diz que uma em cada três pessoas não come há dias

“Hoje, um quilo de farinha custa 300 shekels [US$ 90 / R$ 500] no mercado… e estamos desamparados”, diz Alaa Mohammed Bekhit à BBC News Arabic. “Não temos condições de suprir nem sequer as necessidades mais básicas.”

Ela também fala dos ataques diários que as pessoas próximas aos centros de ajuda humanitária estão enfrentando.

“Um rapaz estava sentado ao meu lado e, de repente, levou um tiro na cabeça”, diz ela. “Nem sabemos de onde veio a bala. Estávamos lá correndo atrás da nossa sobrevivência, mas nos vimos afogados em sangue. Hoje, qualquer pessoa que pegasse um saco de farinha era recebida a tiros.”

No mês passado, o Exército israelense disse à BBC que estava analisando denúncias de civis sendo “feridos” ao se aproximarem dos centros de distribuição em Gaza administrados pela GHF.

A declaração dizia que os “relatos de incidentes de danos estavam sendo analisados” e que qualquer alegação de desvio da lei ou das diretrizes das FDI [Forças de Defesa de Israel] seria minuciosamente analisada, e outras medidas seriam tomadas conforme necessário.

Israel acusou as autoridades do Hamas de Gaza de usar números inflacionados de mortes de palestinos, mas admite que “disparou tiros de advertência” para acabar com “uma ameaça imediata”.

Última ofensiva

Nesta semana, tanques israelenses avançaram para Deir al-Balah, no centro de Gaza, pela primeira vez, desencadeando uma nova onda de desalojamento entre civis.

Mapa mostrando as áreas de evacuação de Gaza

No domingo, o Exército israelense ordenou a evacuação imediata de seis quarteirões na região sul de Deir al-Balah, fazendo com que milhares de famílias deixassem suas casas.

Civis disseram à BBC que não tinham para onde ir a seguir.

Deir al-Balah é uma das poucas áreas de Gaza onde Israel não realizou uma grande operação terrestre durante os 21 meses de guerra contra o Hamas.

Fontes israelenses disseram que o motivo pelo qual o Exército ficou fora dos distritos de Deir al-Balah foi a suspeita de que o Hamas poderia estar mantendo reféns lá. Acredita-se que pelo menos 20 dos 50 reféns restantes em cativeiro em Gaza ainda estejam vivos.

A ONU afirmou que a ordem de evacuação em Deir al-Balah afetou dezenas de milhares de palestinos — e representou “outro golpe devastador” nos esforços humanitários.

Os bairros contêm dezenas de acampamentos para famílias desalojadas, assim como armazéns de ajuda humanitária, clínicas de saúde e infraestrutura hídrica essencial.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que suas instalações foram atacadas durante a operação israelense em Deir al-Balah, e que o alojamento dos funcionários foi atacado três vezes, deixando os moradores — incluindo crianças— “traumatizados”.

A agência da ONU diz que os militares israelenses entraram nas instalações, algemaram, despiram e interrogaram funcionários homens “no local”, detendo quatro pessoas, três das quais foram então liberadas.

O Exército israelense não comentou sobre os incidentes.

‘Desastre causado pelo homem’

Um homem carrega um saco de farinha nas costas enquanto caminha com outros pela rua
Pessoas esperam em longas filas para receber ajuda alimentar em Gaza

A ONU afirma que sua equipe vai permanecer em Gaza para proteger a infraestrutura essencial, incluindo uma usina de dessalinização, apesar do início da nova ofensiva.

“O que está acontecendo em Gaza é um desastre causado pelo homem”, diz Juliette Touma, diretora de comunicação da agência para refugiados palestinos da ONU (UNRWA, na sigla em inglês).

Em entrevista à BBC, Touma disse que o fato de Israel ter proibido a UNRWA de operar em Gaza impediu a distribuição de 6 mil caminhões carregados de ajuda humanitária.

“Nas últimas 24 horas, nossa equipe nos disse que alguns colegas da UNRWA desmaiaram durante o trabalho devido à fome e à inanição”, ela conta, destacando o impacto sobre os trabalhadores humanitários.

“A fome é causada por uma decisão política deliberada de punir coletivamente o povo de Gaza — entre eles, 1 milhão de crianças”, acrescenta.

Em novembro de 2024, um painel de juízes do Tribunal Penal Internacional decidiu que havia “motivos razoáveis” para acreditar que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, tinham “responsabilidade criminal” por usar “a fome como método de guerra”.

Mas Israel nega que tenha usado a fome como uma ferramenta de guerra, e Netanyahu classificou as alegações de “acusações falsas e absurdas”.

O Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, afirma que o número de pessoas mortas em Gaza desde que Israel lançou sua ofensiva em outubro de 2023 já passou de 59 mil.

A ofensiva começou em retaliação aos ataques liderados pelo Hamas, que mataram cerca de 1,2 mil pessoas e fizeram 251 reféns.

O Hamas é considerado uma organização terrorista por países como os EUA, o Reino Unido e Israel.