HÁ 60 ANOS, MOVIMENTO ANTIDEMOCRÁTICO INICIAVA A DITADURA NO BRASIL
Em março de 1964, um movimento conservador e antidemocrático da sociedade civil-militar brasileira deu início à ditadura no país.
Na noite de 31 de março de 1964, o céu do Rio de Janeiro estava, literalmente, coberto por nuvens escuras. Em poucas horas, começou uma chuva forte, que não dava trégua, e o aguaceiro avançou madrugada adentro. No Palácio Laranjeiras, então sede do governo federal no Rio, as luzes permaneciam acesas. Era meio que um período de transição administrativa, já que Brasília, ainda inacabada, dividia, na prática, o centro do poder político com a antiga capital.
No gabinete principal do Laranjeiras, conforme relata o escritor Lira Neto no livro ‘Castello – A Marcha para a Ditadura’(editora Companhia das Letras), o telefone não parava de tocar e foram longas e tensas conversas, inclusive durante as noites, entre o presidente da República, João Goulart, ministros e militares.
Lá fora, a situação não era melhor. No Palácio Guanabara, sede do governo estadual, o ferrenho e incansável oposicionista Carlos Lacerda, líder da União Democrática Nacional (UDN) e então governador da Guanabara, varou a madrugada chuvosa em discursos inflamados contra Jango, disparados para emissoras de rádio e em forma de mensagens para radioamadores de todo o país.
Na manhã seguinte, Jango tinha motivos de sobra para preocupações. Horas antes, ainda na noite de 31 de março, o general Olympio Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, com base em Minas Gerais, autorizou o deslocamento de tropas do Exército de Juiz de Fora rumo ao Rio de Janeiro.
O objetivo da Operação Popeye, como foi chamada em alusão ao hábito do comandante Mourão fumar cachimbo, era a deposição de Goulart, o expurgo dos supostos comunistas do comando do país e a formação de um novo governo, sob controle dos militares.
De São Paulo, tropas do II Exército, comandadas pelo general Amauri Kruel, também se dirigiam à antiga capital federal, pela Via Dutra e estacionaram no Vale do Paraíba, à espera das ordens para avançar.
Kruel, amigo e compadre de Jango, ainda tentara, em uma das conversas por telefone ocorridas durante a madrugada chuvosa, convencer o presidente “a se distanciar dos comunistas” para conseguir cumprir o restante do seu mandato, que se encerraria em 1965.
Diante da recusa do político, que alegava não poder romper com as forças populares que o apoiavam, Kruel lavou as mãos e aderiu aos militares rebeldes. Era o golpe em marcha.
“Minas vem aí”
Apesar da aparente organização, rapidez de movimentos e sincronia entre os líderes, todo o processo ocorreu meio de improviso e sem grande planejamento prévio. Além de não haver consenso nas Forças Armadas sobre a real necessidade da derrubada de Goulart do poder, Mourão Filho era considerado, até pelos próprios colegas, um comandante bronco e intempestivo, e colocou as tropas nas ruas antes do combinado, desencadeando precipitadamente outras ações nos quartéis. Alguns colegas de patente teriam, inclusive, tentado convencê-lo a recuar e aguardar um momento mais oportuno para as manobras. Era tarde.