As semelhanças e diferenças entre Dilma Rousseff e a presidente eleita do México
Um presidente popular que não pode disputar a reeleição indica uma aliada de confiança e com perfil técnico para concorrer como sua sucessora e se tornar a primeira mulher presidente do país.
Esse quadro descreve a chegada ao poder da ex-presidente Dilma Rousseff no Brasil, em 2010, após os dois primeiro mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
É também um retrato do caminho percorrido pela presidente recém-eleita do México, Claudia Sheinbaum.
Candidata aliada do atual presidente Andrés Manuel López Obrador, a ex-prefeita da Cidade do México, de 61 anos, obteve ampla vitória nas eleições presidenciais deste domingo (2/6), segundo as projeções do resultado oficial feitas pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE) com base em contagem rápida de amostras.
As comparações entre Claudia Sheinbaum e Dilma Rousseff são baseadas principalmente nas coincidências em relação aos seus padrinhos políticos.
Para Christopher Sabatini, do instituto independente de política Chatham House, ambas seguem os “grandes passos” de seus sucessores, que atuaram na fundação de seus respectivos partidos: Partido dos Trabalhadores (PT), no caso de Lula, e Movimento Regeneração Nacional (Morena, na sigla em espanhol), no de López Obrador.
O líder mexicano, conhecido por suas iniciais AMLO, foi muito comparado a Lula após sua eleição, especialmente por sua agenda política voltada às classes trabalhadoras e baseada em políticas sociais.
Ambos também já foram vistos com ceticismo pelo mercado financeiro e pela comunidade empresarial de seus países, mas se tornaram líderes extremamente populares entre os eleitores.
AMLO chega ao fim do seu mandato com uma aprovação próxima dos 60%, enquanto Lula deixou o poder em 2011 com 83% dos brasileiros adultos avaliando sua gestão de oito anos como ótima ou
boa, segundo pesquisa Datafolha.
Mas o líder mexicano também é alvo de críticas, muitas delas sobre seu perfil supostamente autoritário, com a concentração de poder nas mãos do Executivo e o enfraquecimento da autonomia dos outros poderes.
López Obrador não pôde concorrer na disputa de domingo porque o México não tem reeleição.
No Brasil, a Constituição permite reeleição para um único mandato consecutivo, com possibilidade de nova candidatura após quatro ou mais anos.
“[Dilma como Sheinbaum] são mulheres que foram cultivadas por líderes homens muito populares e carismáticos”, diz Sabatini, que é pesquisador do Programa para a América Latina, EUA e Américas do think tank sediado em Londres.
Ambas também quebraram paradigmas ao serem eleitas as primeiras mulheres presidentes de seus países. Enquanto Dilma foi apenas a 6ª mulher eleita presidente na América Latina, Sheinbaum ocupa o 8º lugar da lista.
Para a cientista política e diretora do Instituto King’s Brazil, da King’s College London, Andreza Aruska de Souza Santos, o sucesso eleitoral das duas latino-americanas representa “uma ruptura” em uma região dominada por lideranças masculinas.
“Mas assim como Dilma, é possível que a presidente eleita do México tenha que enfrentar desafios relacionados à questão de gênero”, diz. “Mulheres em cargos de liderança normalmente precisam que se provar muito mais e entregar muito mais resultados [do que os homens]”.
Para Souza Santos, a própria comparação entre as duas pode ser vista como fruto da desigualdade de gênero, especialmente quando se baseia apenas em seus antecessores políticos.
Segundo a especialista, o “apadrinhamento” de Lula ou de AMLO ganhou mais destaque nas campanhas de Dilma e Sheinbaum do que em outras eleições em que o candidato em questão era homem.
“Líderes políticos que herdam mandados e momentos políticos não são tão incomuns”, diz. “Mas nesse caso as circunstâncias foram muito mais evidenciadas e apontadas como essenciais para a eleição delas.”
Mas a cientista política acredita que o peso da popularidade de seu antecessor pode ter sido maior no governo de Dilma Rousseff do que será para Claudia Sheinbaum.
“Dilma era muito questionada por nunca ter ocupado um cargo eletivo [antes de 2011], mas a presidente eleita do México foi prefeita da Cidade no México e inclusive enfrentou uma pandemia durante sua liderança.”
Antes de comandar o governo da capital mexicana por um mandato até junho do ano passado, Sheinbaum ganhou em 2015 a prefeitura de Tlalpan, o distrito da Cidade do México onde cresceu.
Ela também comandou a Secretaria de Meio Ambiente da metrópole de mais de 9 milhões de habitantes entre 2000 e 2006. Aliás, foi assim que a física de formação se aproximou de AMLO, que era o prefeito da capital na época.
Após a divulgação dos primeiros resultados no domingo, Sheinbaum prometeu continuar o legado de López Obrador, mas com “sua própria marca” para mitigar a violência ligada ao crime organizado, estimular a economia, promover energias renováveis e combater a corrupção.
Ao longo da campanha, as pesquisas de intenção de voto deram a ela uma ampla vantagem sobre sua adversária mais forte, Xóchitl Gálvez, uma empresária de 61 anos que concorreu por uma coligação de oposição.
Perfil técnico e ativismo de esquerda
Mas segundo os especialistas consultados pela BBC Brasil, características únicas que as duas políticas carregam em seus currículos também as aproximam e vão muito além de seus sucessores políticos.
Seus perfis mais tecnocráticos e trajetórias acadêmicas são uma delas. Enquanto Dilma é economista com mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Sheinbaum é cientista climática e doutora em Engenharia Energética e Ambiental.
“As duas são administradoras públicas, diferente dos seus antecessores, que eram conhecidos como bons políticos, mas não por suas proezas como formuladores de políticas públicas”, diz Christopher Sabatini.
Claudia Sheinbaum estudou Física na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e foi a primeira mulher a concluir um doutorado em Engenharia Energética na universidade, se tornando posteriormente professora e pesquisadora da instituição.
Publicou mais de 100 artigos científicos e dois livros, além de assessorar organizações públicas mexicanas em questões energéticas. Ao lado de cerca de 600 acadêmicos, ela integrou o Painel Intergovernamental da ONU para mudanças climáticas, o IPCC.