23 de janeiro de 2025
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VIVA MANDELA

Por Joãozinho Ribeiro

Não tenho a precisão do ano, mas a década era com toda certeza a de 80 do último século findo. Após uma pequena boemia matinal na Feira da Praia Grande, eu e meu futuro parceiro musical, Escrete (José Henrique Pinheiro, de registro civil), nos dirigíamos para o bairro do Vinhais, onde eu havia fixado residência desde o final dos anos 70, em seu fusquinha de cor parda, se não me falha a memória (alguns intrigantes maldosos diziam ser cor-de-rosa…rsrsrs). A ideia surgiu não sei bem de onde, e passou em seguida para as cordas de um violão solitário que trazíamos no banco traseiro do veículo.

“Gaiola não é prisão pra negro/Guarda segredos, mas não pode nos prender…”.

Letra e música, num passe de encantaria e encantamento, foram se entrelaçando, sem até hoje sabermos com exatidão quem fez o quê naquela canção que surgia, desafiando o nosso entendimento mediano do mundo e seus mistérios milenares. Algo parecido com um transe momentâneo, compartilhado pela parceria iluminada que se tornaria única e ganharia o mundo, interpretada por diferentes vozes e tribos musicais do planeta.

“Bandeira de Liberdade” foi o título inicial que lhe demos, logo, logo, derrubado pela força e insistência da vontade de outros cantadores de blocos afros maranhenses e baianos: Akomabu, Ilê Yaiê, Olodum…O certo é que atravessou os mares e ares, invadindo os palcos do Festival de Montreux, já conhecida como “Gaiola”, e assim restou para a vida e para a arte.

“Que bandeira é aquela?/É Luther King, é Zumbi, Nelson Mandela!”.

Sem dúvida alguma, Mandela foi o grande centro e foco de toda a inspiração daquela canção que brotava pro mundo, de São Luís do Maranhão, composta por dois negros ludovicenses, enquanto o pássaro-homem, aprisionado, ensaiava em uma gaiola do continente africano um voo que era só seu, mas em cujas asas já estava desfraldada a bandeira de liberdade de todos os injustiçados, excluídos, perseguidos, exilados, segregados, em virtude de sua cor, crença, raça, etnia, opção sexual, política, religiosa, etc.

Mandela tornou-se a voz e a vez de um coro de negros, num exemplo modesto, aqui representados pelas imortalizadas figuras de D. Teté, João do Vale, Escrete, Leonardo, João Francisco, Célia Linhares, Maria Firmina, Nascimento Morais, Magno Cruz, Mestre Felipe, Gerô…Mandela tornou-se e permanecerá um verbo que só admite conjugação no plural. Mandela tornou-se muitos e muitos tornaram-se Mandela, aprisionados na miséria das periferias brasileiras, apodrecendo nos presídios degradantes pelo mundo afora, sob a complacência da mídia e de suas opiniões racistas ‘publicizadas’ em nome de uma (in)certa opinião pública.

Hoje, em todo o planeta, a imprensa e os líderes de todas as nações se curvam diante do rei negro, que se negará sempre a cumprir os ditames do dito popular: “rei morto, rei posto”. Oportuno aqui lembrar de um trecho de um artigo do professor Antonio Lassance (doutor em Ciência Política pela UNB) publicado pela Carta Maior na última semana:

“A britânica Margaret Thatcher, primeira-ministra naquela época, se recusou a aderir à pressão mundial pelo boicote à África do Sul. Dizia que Mandela era um terrorista, o que nos ensina a que, toda vez que alguém for acusado de terrorista, é bom entendermos um pouco da história do país e das pessoas que sofrem esse tipo de acusação, antes de tirarmos conclusões apressadas”.

O que Mandela deixa de legado para o mundo ainda será objeto de milhares de estudos, pesquisas e publicações, umas condizentes com a sua generosa passagem por esta breve estação terrena; outras nem tanto. Só sei que sua “Longa Caminhada para a Liberdade” chegou a termo no dia 5 de dezembro de 2013. Dia emblemático para todos aqueles que permanecem lutando contra todas as formas e opressão e exploração de um homem/mulher por outro homem/mulher.

Para nós, que aqui ficamos, talvez sirva de exemplo maior o único pedido que o homem livre – Nelson Mandela – ainda em vida, quis que constasse de sua lápide: “AQUI JAZ UM HOMEM QUE CUMPRIU O SEU DEVER NA TERRA

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