A BRUXA E O SACI
Ao longo dos últimos séculos, a ascensão e declínio do colonialismo britânico e a consolidação do império norte-americano após a Segunda Guerra Mundial, levou à crescente adoção do inglês como uma língua franca. Essa língua passou a ser amplamente utilizada na comunicação entre diferentes pessoas e povos, especialmente após o advento do cinema e da poderosa indústria de Hollywood. Contudo, adotar uma língua vai além de simplesmente aceitá-la como um instrumento de comunicação; trata-se de incorporar um sistema linguístico que é culturalmente construído, povoado de significados e significantes, que moldam modos de pensar e interpretar o mundo. Ao fazer essa transação, as trocas culturais se tornam inevitáveis, manifestando-se de maneira hegemônica ou não.
Um dos resultados mais notáveis dessas trocas linguísticas e culturais foi a celebração do Dia das Bruxas, também conhecido como Halloween. Para o temor de muitos bons cristãos, essa festividade foi vista como uma celebração do mal, personificada nas caricaturas de bruxas que são encenadas por crianças, jovens e até adultos na data festiva. O Dia das Bruxas acontece na véspera da festa católica dedicada a Todos os Santos e é bastante popular nos Estados Unidos. Suas origens remontam a cultos celtas, entre outros, que foram combatidos pelo cristianismo em sua busca por se estabelecer como a religião hegemônica na Europa. Originalmente, essa festividade celebrava a fartura da colheita.
Ou seja, as raizes do Halloween são profundas e ligam o presente a antigas festividades celtas, como a chamada Samhain, que marcava o final da colheita e o início do inverno. Celebrado em 31 de outubro, o Samhain era um período em que os antigos acreditavam que os espíritos dos mortos podiam retornar à terra dos vivos. Para afastar essas entidades, as pessoas acendiam fogueiras e vestiam fantasias, criando um ambiente de proteção e celebração. Ao longo dos séculos seguintes, com a hegemonia religiosa e política do cristianismo, as bruxas, ou seja, mulheres que não se enquadravam nos padrões estabelecidos ou não se submetiam à vontade de outros, seriam vistas e perseguidas como a própria personificação do mal, a ser extirpado pela Igreja.
Atualmente, o Halloween se tornou uma das principais festas no planeta, depois do Natal. A partir do século XX, o movimento feminista começou a reivindicar um novo significado para essa festividade, promovendo uma reinterpretação dos símbolos envolvidos. No Brasil, por sua vez, os folcloristas buscam, a todo custo, opor o Saci e outros personagens mitológicos nativos a essa suposta invasão cultural estrangeira. No entanto, eu vejo essa questão de maneira diferente. O Halloween é uma festividade com origens antigas, que passou por transformações ao longo do tempo e além-mar, e cujo significado continua a ser debatido.
Precisamos, assim, abrasileirar a festa das bruxas, incorporando a presença das feiticeiras, parteiras, rezadeiras e macumbeiras, e promovendo um encontro intercultural com as bruxas europeias e norte-americanas e de outros continentes. Essas figuras, que cuidavam e cuidam da população com seus conhecimentos ancestrais, são vistas como ameaças pelas autoridades políticas e religiosas, devido ao seu comportamento indomável. Assim, em vez de confrontar, cabe ao Saci unir todas essas personagens e encantarias em nossa terra, desafiando os modos de pensar e viver daqueles que se consideram donos da verdade e que se consideram urgidos por um deus que tem pavor de Eva, pois essas mulheres cuidam das pessoas e do planeta.
Prof. Xico