De volta ao lugar seguro
Prof. Natalino Salgado Filho
PHD em Nefrologia
No tempo sagrado da Quaresma, somos chamados a nos aproximar ainda mais de nosso Deus Pai, Criador de todas as coisas. Em um mundo marcado por guerras que devastam nações e ferem inocentes, é urgente que elevemos nossas súplicas ao Senhor, que nos acolhe com amor e compaixão, pedindo pela paz tão necessária, especialmente para aqueles que, com fé, retomam o “Caminho do escudo e fortaleza”.
Inspirando-me no Evangelho de São Lucas, no capitulo 15, recorro à poderosa metáfora de perdão e retorno. Esse trecho rico em misericórdia revela très histórias de perda: a dracma perdida dentro de casa, a ovelha perdida fora de casa, e, por último, o filho pródigo. Entre essas, é sobre a última que desejo refletir.
Desde o principio, o filho pródigo já é considerado perdido, afastado da familia e de seus valores. Ele ousa pedir a antecipação de sua herança ao pai, e, surpreendentemente, o pai concede. A partida fisica do jovem é apenas a consumação de uma perda interior. Santo Agostinho afirma: “A casa do Pai é a pátria da alma. Quem se afasta d’Ele entra na miséria da fome espiritual.” Assim foi com aquele jovem que, após dissipar tudo o que tinha, se viu mergulhado na pobreza e no abandono.
Ao “cair em si”, ele percebe o erro de suas escolhas e toma a decisão de retornar à casa paterna. São Gregório de Nazianzo nos lembra que somos todos filhos pródigos, e que as portas do Pai estão sempre abertas para o nosso
retorno. Reconciliado consigo mesmo, o jovem volta ao encontro do pai, que já o aguardava de braços abertos. São João Crisóstomo descreve essa cena como o ápice da misericórdia divina, destacando que o pai abraça o filho antes mesmo de qualquer pedido de desculpas ou arrependimento. O Papa Francisco, em uma de suas homilias mais emocionantes sobre essa passagem, afirma que o abraço do Pai é o centro do Evangelho. Deus corre ao nosso encontro; Ele não espera.
Essa mensagem é belamente capturada na pintura de Rembrandt. Ajoelhado diante do pai, o filho recebe o toque das mãos ternas e cheias de perdão. Rembrandt ilumina delicadamente essas mãos, um símbolo da compaixão que reflete o amor de Deus Pai. Mas essa famosa parábola também nos apresenta o outro filho, aquele que, embora fisicamente presente, está emocionalmente distante. Ele se recusa a participar da celebração pelo retorno do irmão e guarda ressentimento. O pai, com ternura, sai para encontrar esse filho e tenta convencê-lo a participar da festa.
Em seu livro Jesus de Nazaré, Bento XVI reflete sobre essa resistência, observando que ela revela a tensão entre a liberdade humana e a misericórdia divina. Temos liberdade para não compreender o coração generoso do Pai, mas Ele, em sua infinita bondade, nos ensina que a
verdadeira justiça se manifesta na alegria de perdoar. No diálogo final, o pai não faz distinção entre seus filhos. Nem a desobediência do mais novo, nem a obediência rigida do mais velho, são medidas de seu amor. Ele os ama igualmente. Curiosamente, o Evangelho encerra sem nos informar se o filho mais velho decide entrar em casa.
Essa parábola nos ensina que o verdadeiro refúgio está na casa do Pai. Que possamos reconhecer a importância de viver sob sua proteção, desfrutando da paz, do amor e do escudo que Ele nos oferece. A Páscoa é o momento propício para retornar ao Pai e redescobrir esse lugar seguro, onde reside nossa verdadeira fortaleza.