22 de maio de 2025
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Qual o tamanho e de onde vem a fortuna da Igreja Católica

Há uma máxima que diz que o valor do patrimônio da Igreja Católica é um dos mistérios da fé, tamanho segredo que a instituição guardou ao longo dos séculos sobre o assunto.

Diante de tanto sigilo, as especulações sobre o tamanho da fortuna da Santa Madre se avolumaram, criando uma mística em torno do tema que beiravam a ingenuidade e comentários como “por que o papa não vende o Vaticano para acabar com a fome no mundo?”.

O fato é que, desde o início de seu pontificado, o papa Francisco, morto em 21 de abril, se esforçou em retirar o véu que encobria as finanças da Santa Sé com medidas que mudaram e enxugaram a engrenagem da máquina do Vaticano e repercutiram na Igreja em geral.

Uma delas foi divulgar, em 2021, o balanço financeiro público da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (Apsa) do ano de anterior, prática que vem sendo seguida desde então. Foi a primeira vez, desde a criação em 1967 da Apsa, responsável pela gestão de imóveis e investimentos, que tais cifras vieram a público.

De acordo com o último relatório, referente a 2023 e divulgado no ano passado, a Igreja teve um lucro total de 45,9 milhões de euros (aproximadamente R$ 294,8 milhões) e um aumento de ativos de 7,9 milhões de euros (R$ 50,7 milhões).

O patrimônio líquido não foi divulgado, mas o último número de que se tem notícia é 886 milhões de euros (R$ 5,69 bilhões). Esse valor é referente a todos os ativos administrados pelo Banco do Vaticano, ficando de fora imóveis, terras e demais bens.

A Igreja ainda ganha com a gestão dos mais dos 5 mil imóveis, dos quais 20% são alugados, o que que gera uma receita operacional de 73,6 milhões de euros (RS 477,2 milhões) e um lucro líquido de 35 milhões de euros (R$ 224,8 milhões) por ano.

É importante fazer uma observação: todos esses valores são relativos apenas à economia que o Vaticano movimenta. Mas as finanças da Igreja são descentralizadas, cabendo a cada diocese do mundo gerir seu orçamento, o que significa que, na prática, o total é ainda maior e talvez seja incalculável.

“É praticamente impossível avaliar o patrimônio de toda a Igreja Católica”, afirma Fernando Altemeyer Junior, professor do departamento de Ciências

Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

De toda forma, seu patrimônio pode ser seguramente estimado em escala multibilionária, de acordo com especialistas. A Igreja é, por exemplo, considerada uma das maiores proprietárias de terras do mundo.

O Instituto de Estudos das Religiões e da Laicidade (IREL), de Paris, estima que ela possua entre 177 e 200 milhões de acres, quase o tamanho do Estado do Pará, incluindo igrejas, escolas, hospitais, mosteiros e propriedades rurais e urbanas.

A origem da fortuna da Igreja Católica

Mas de onde vem este dinheiro, já que a Igreja Católica é uma instituição religiosa que em tese não visa o acúmulo de bens ou o lucro, segundo o Código de Direito Canônico?

A Igreja começou a acumular bens e riqueza a partir do século 4, com o imperador Constantino (272-337 d.C.), que alçou o catolicismo à religião oficial do Império Romano.

Até este momento, como apontam os historiadores, os cristãos viviam de forma humilde e celebravam seus cultos em suas próprias casas, majoritariamente humildes, até em catacumbas.

Isso era considerado natural para os seguidores de uma religião baseada nas palavras e ações de um judeu pertencente às castas sociais inferiores, que pregava o comedimento, a sobriedade e ações voltadas aos menos favorecidos.

“Esses eventos mudaram radicalmente a história do cristianismo e do Império Romano”, escreve Ney de Souza, professor de história eclesiástica e especialista em religião e política, em seu livro História da Igreja (Ed. Vozes).

“A partir deste momento, temporal e espiritual entrelaçaram seus destinos. Os séculos seguintes demonstraram se essa aliança e as sucessivas foram a melhor estratégia da instituição religiosa ou se do martírio [sofrido pelos cristãos] e das catacumbas [onde eles professavam sua fé] se passou para os palácios, em grande prejuízo para a vivência da fé cristã, chegando à Reforma Protestante.”

De perseguida, a Igreja se tornou privilegiada e detentora de muitos bens. A simplicidade de seus seguidores, um diferencial no início, dá lugar a um status e símbolos de riqueza equiparados a dignatários do império.

O perigo de acomodação e contaminação com o poder se tornam reais. “No percurso da história do cristianismo, é possível verificar que o joio e o trigo estão sempre presentes”, escreve Souza.

“Às vezes, o joio em quantidade maior, outras vezes o trigo; mas mesmo que o trigo seja em número reduzido, é ele o responsável pela continuidade do seguimento a Jesus de Nazaré.”

Dentre os católicos, nomes como o santo Francisco de Assis e o próprio papa Francisco seriam os representantes desta defesa da simplicidade.

Enquanto figuras como o papa Bento 9º (102-1055), que chegou a vender o trono papal, e do cardeal Giovanni Angelo Becciu, chefe da Secretaria de Estado do último pontificado, afastado após desviar cerca de 200 milhões de dólares (R$ 1,13 bilhão) destinados à caridade para comprar um apartamento em Londres, seriam exemplos em sentido contrário.

Foto da Praça São Pedro vista de cima, na cidade do Vaticano.
Só em 2021, após reforma promovida pelo papa Francisco, o Vaticano tornou públicas suas contas

Constantino e outros tantos líderes do Império Romano doaram à Igreja palácios, imóveis, terras a perder de vista e até termas, além de quantidades inimagináveis de ouro e prata.

A partir daí, o mecanismo da doação em troca de algo, até mesmo para a Igreja se firmar em determinado território, se estabeleceu.

Até que, no século 18, surgiram os Estados papais, territórios na Península Itálica que funcionavam como entidades político religiosas sob o comando de um papa, e a hierarquia católica emergiu como autoridade civil, tornando-se aliada declarada das famílias mais abastadas da Europa.

Apesar de nem sempre ter desfrutado da bonança — a Idade Média, por exemplo, foi um período de vacas magras, pelos católicos não nutrirem da simpatia dos poderes constituídos à época —, pode-se afirmar com segurança que a Igreja Católica construiu seu patrimônio por meio de doações de fiéis e de pessoas interessadas na sua influência política e social.

Hoje, no século 21, agrega-se a isso seu patrimônio cultural, que inclui obras de valor incalculável, museus que recebem milhões de visitantes (pagos) por ano, e os investimentos no mercado financeiro, terreno que já foi epicentro de inúmeros escândalos de grandes proporções.

Cidade do Vaticano, o centro do poder

No centro do poder católico, a Cidade do Vaticano, o regime de governo é a monarquia absoluta exercida pelo papa, nome dado ao bispo de Roma, que carrega outros títulos como Vigário de Jesus Cristo, sucessor do príncipe dos apóstolos e Sumo pontífice da Igreja Universal.

O Estado do Vaticano se estabeleceu por volta do ano 752 durante o pontificado de Estevão 2º (715-757). Os primeiros museus datam da época do papa Júlio 2º (1443-1513).

O Vaticano é sustentado por meio da colaboração financeira de todas as dioceses do mundo, particularmente das americanas e alemãs, duas das mais abastadas. Outra fonte de receitas é o turismo.

No interior da cidade, estão localizados os organismos da Cidade-Estado, os dicastérios e serviços da Santa Sé, entre os quais: Palácio Apostólico, 15 museus, galerias de arte (Capela Sistina, capelas de Rafael, Pinacoteca Vaticana, Museu Missionário Etnológico, Museu histórico), Biblioteca Apostólica Vaticana, Rádio Vaticana, banco, Observatório Astronômico, Domus Vaticanae (antiga Casa Santa Marta), Basílica de São Pedro, prédios contíguos à Basílica, Jornal Osservatore Romano, Vatican Media – Centro Televisivo Vaticano, Libreria Editrice e os arquivos apostólicos.

Há 12 prédios ou espaços extraterritoriais que pertencem ao Vaticano, entre os quais as Basílicas Maiores de São João de Latrão, de São Paulo extramuros, de Santa Maria Maior e a paróquia de Santa Ana, além dos escritórios dos dicastérios e a Villa de Castel Gandolfo, conhecida como a residência de verão dos papas.

Há também o óbolo de São Pedro, que consiste em doações voluntárias realizadas por fiéis do mundo todo. Essas doações são destinadas a obras de cunho social e manutenção das atividades do Vaticano, turismo e museus, que atraem milhões de pessoas por ano para algumas atrações.

Dentre elas, o Museu do Vaticano e a Capela Sistina, a venda de selos postais e moedas comemorativas e, a mais controversa, a atuação de suas instituições financeiras, o Instituto para Obras da Religião (IOR), mais conhecido como Banco do Vaticano, que administra ativos financeiros significativos, e a Apsa.

O Vaticano também é detentor de um dos maiores acervos artísticos e culturais do mundo. No entanto, esses bens são considerados patrimônio imensurável e não estão disponíveis para venda ou uso comercial.

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