Em que dia Jesus nasceu segundo os evangelhos e como se convencionou a data de 25 de dezembro?
Também é provável que, se o monge medieval encarregado de determinar a data de seu nascimento não tivesse calculado mal, estaríamos alguns anos na frente agora.

É impossível saber ao certo em que data Jesus de Nazaré nasceu.
A única fonte que os historiadores têm para reconstruir sua vida são os evangelhos, escritos décadas depois de sua morte por pessoas que nunca o conheceram em vida e que eram propagandistas da fé em Jesus como messias.
Sua história vem de segunda, terceira ou quinta mão, narrada por cristãos de primeira geração interessados, segundo historiadores, na morte e ressurreição de Jesus, não tanto em seu nascimento.

Os textos dos evangelistas, no entanto, fornecem pistas para situar Jesus — sobre cuja existência como personagem histórico há amplo consenso entre os pesquisadores — em um momento específico da história.
As fontes
As principais fontes, explica o historiador espanhol Javier Alonso à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, são os Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos aproximadamente por volta dos anos 80-90 d.C..
Enquanto os textos mais antigos do Novo Testamento, como o Evangelho de Marcos e as sete cartas do Apóstolo Paulo de Tarso consideradas autênticas, não fazem menção de sua juventude, os Evangelhos de Mateus e Lucas incluem o que é conhecido como a “relatos da infância” de Jesus.

“O problema é que, do ponto de vista cronológico, eles são incompatíveis”, diz Alonso, que também é filólogo bíblico e semítico.
Marcos afirma que Jesus nasceu durante o reinado de Herodes, o Grande, pouco antes de sua morte.
“Como agora sabemos que Herodes morreu em 4 a.C., conforme o Evangelho de Mateus, Jesus deve ter nascido em 4, 5, 6 ou 7 a.C.”
Possivelmente eles perceberam a incoerência de que Jesus nasceu vários anos antes de Cristo, ou seja, dele mesmo. Mas paciência, chegaremos lá.
Lucas, porém, não fala de Herodes, mas relaciona o nascimento de Jesus ao censo de Quirino. Segundo seu relato, Maria e José, os pais de Jesus, tiveram que viajar da Galileia a Belém para poderem se registrar no censo.
O evangelista assegura que se trata do relato feito por Públio Sulpício Quirino, governador romano da Síria, que naquela época incluía a Judeia, e que o casal teve que viajar para lá, apesar do avançado estado de gravidez de Maria, porque era o lugar de nascimento de José.
O censo existiu, como testemunha o historiador Flavio Josefo, o que nos permite atribuir-lhe uma data: o ano 6 d.C.
“Ou seja, há uma diferença de pelo menos dez anos entre Mateus e Lucas”, argumenta Alonso.
A tudo isso devemos acrescentar mais uma circunstância: a possibilidade de que esses capítulos, Mateus 1 e 2, e Lucas 1 e 2, tenham sido acrescentados aos respectivos evangelhos uma vez que já estavam circulando, explica à BBC News Mundo Antonio Piñero, professor emérito de Filologia Grega da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, cujo estudo se concentrou na língua e na literatura do cristianismo primitivo.

“Sabemos que foram adicionados porque os personagens do evangelho posterior, de Mateus 3 e Lucas 3, não fazem ideia do que aconteceu nos capítulos anteriores, e até há dados contraditórios”, argumenta Piñero, que garante que os historiadores situam a redação desses relatos no início do século
Portanto, é possível que, quando o nascimento e a infância de Jesus foram escritos, mais de 60 anos tenham se passado desde sua morte.
Até então, aponta Piñero, estima-se que havia cerca de 3 mil cristãos no mundo, espalhados, aliás, em diferentes comunidades.
Então, qual relato está mais próximo da realidade, Mateus ou Lucas?
Para determinar isso, os historiadores estudaram as outras âncoras históricas que aparecem nos Evangelhos, especialmente uma figura central na vida de Jesus: Pôncio Pilatos.
Sabe-se que Jesus morreu durante o governo do prefeito Pôncio Pilatos, ocorrido de 26 a 36 d.C., e que começou a pregar no 15º ano do imperador Tibério, explica Alonso.
“Se prestarmos atenção em Mateus, e Jesus nascer no ano 4 a.C., faz sentido. Ele morreria no ano 30 e teria, talvez, 34 anos”, argumenta o historiador.
No entanto, se ouvirmos Lucas, a conta não fecha.

“Por datas, o que faz sentido é Mateus, ou seja, que Jesus nasceu aproximadamente em 4 a.C., nos últimos anos de Herodes, o Grande”, diz Javier Alonso.
“Por outro lado, o censo de Quirino não faz sentido, e entende-se que Lucas o usou como desculpa para deslocar algumas pessoas que são de Nazaré, no norte de Israel, para Belém, que é onde o messias tem que nascer, mas nada mais. É um artifício literário.”
Piñero concorda que se trata de um recurso profético: “Uma vez que se acredita que Jesus é o messias, concorda-se com a profecia de Miquéias, capítulo 5:1, a de que o messias virá de Belém, cidade onde nasceu Davi”.
A profecia, que estava no Antigo Testamento, é então cumprida se Jesus nascer em Belém.
