“Bolsonaro foi abandonado porque Trump não tolera perdedores”, diz ex-embaixador dos EUA
DCM – O recuo dos Estados Unidos nas medidas adotadas contra o Brasil e autoridades do Judiciário brasileiro tem menos relação com uma vitória diplomática do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e mais com o comportamento errático de Donald Trump e sua mudança de percepção sobre Jair Bolsonaro. Essa é a avaliação de John Feeley, ex-embaixador dos Estados Unidos no Panamá e ex-integrante do Departamento de Estado, em entrevista à BBC News Brasil.

Segundo Feeley, que deixou o governo estadunidense em 2018 por discordar das decisões de Trump, o então presidente passou a enxergar Bolsonaro como um aliado descartável após sua condenação e prisão. “Assim que Bolsonaro perdeu, ou seja, assim que foi condenado e preso, Donald Trump o viu como um perdedor, e se há algo que Donald Trump não tolera são perdedores”, afirmou.
Para ele, Trump jamais teve real interesse pelo Brasil. “Posso quase garantir que ele não acorda todos os dias pensando no Brasil”.
O diplomata avalia que Trump age de forma imprevisível e movida por traços pessoais, o que torna qualquer negociação instável. “Acho que Lula, francamente, teve sorte”, disse Feeley, ao comentar a suspensão das tarifas de 40% impostas a produtos agrícolas brasileiros e a retirada do ministro Alexandre de Moraes e de sua esposa da lista da Lei Magnitsky. “Eu encorajaria tanto Lula quanto praticamente qualquer líder a se manterem fora da órbita de Trump, na medida do possível”.

As sanções e tarifas, segundo Feeley, foram resultado direto da atuação de Eduardo Bolsonaro em Washington. “A reação inicial dos Estados Unidos, ou da administração Trump, ao julgamento de Bolsonaro foi resultado direto do lobby de Eduardo Bolsonaro, seu filho”, afirmou. Para ele, não houve uma estratégia institucional clara por parte do Departamento de Estado ou de figuras como Marco Rubio.
Na entrevista, Feeley também analisou a política externa estadunidense em relação à Venezuela. Ele avalia que o bloqueio imposto a navios petroleiros é mais eficaz do que ações anteriores, mas alerta para os efeitos colaterais.
Ainda assim, rejeita a ideia de que sanções sejam a principal causa da crise humanitária. “Não podemos nos enganar: a razão pela qual os venezuelanos estão vivendo na miséria […] é o desastroso modelo econômico de Nicolás Maduro”.
Ao comentar a postura de Trump, Feeley foi direto ao descrevê-lo como alguém sem uma estratégia definida. “Não acredito que seja uma política baseada em uma estratégia bem elaborada”, disse, ao questionar a ausência de um objetivo final claro na atuação estadunidense. Para ele, o risco de uma escalada militar existe, mas tende a ser limitado por cálculos eleitorais internos nos Estados Unidos.
Por fim, o ex-embaixador afirmou que o Brasil pode exercer um papel simbólico importante ao demonstrar resiliência democrática. “Espero que os Estados Unidos possam se inspirar no exemplo do Brasil”, afirmou, destacando a resposta institucional brasileira aos ataques de 8 de janeiro. Na visão de Feeley, mais do que mediar conflitos regionais, o país pode servir de referência democrática para o público estadunidense.
