Trama golpista: o que o atual comandante da Marinha disse sobre seu antecessor ao STF
Revista Fórum – Marcos Sampaio Olsen expõe quebra de tradição militar por Almir Garnier, mas nega ter recebido ordens golpistas na transição para o governo Lula.
O atual comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, prestou depoimento nesta sexta-feira (23) ao Supremo Tribunal Federal (STF) e expôs de forma contundente a quebra de protocolos institucionaispromovida por seu antecessor, almirante Almir Garnier, nos dias que antecederam a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora tenha negado mobilização golpista na corporação, Olsen confirmou que Garnier rompeu com a tradição militar ao se recusar a participar da cerimônia oficial de transmissão de cargo.
Quebra de liturgia
A ausência de Garnier no evento não foi apenas uma escolha pessoal — foi uma quebra de liturgia histórica da Marinha brasileira. “Não compareceu. E, ao que tenho notícia, não há registro da ausência de comandante que passe em ocasiões antigas”, afirmou Olsen ao ministro Alexandre de Moraes. O próprio Moraes enfatizou a gravidade do gesto: “No meio militar, sabemos que essa tradição inclusive é mais do que secular, e passou às Polícias Militares também”.
Olsen também foi questionado sobre a continência ao presidente da República, gesto simbólico da cerimônia que reforça a hierarquia e o respeito ao comando civil sobre as Forças Armadas. Ele explicou: “Desde que o presidente presida a cerimônia. O ministro [da Defesa] José Mucio presidiu. Presta-se continência à autoridade que preside a cerimônia”.
Na época da transição de governo, em dezembro de 2022, Garnier se recusou a se encontrar com Múcio, já designado ministro da Defesa. O novo comandante tentou manter o canal de diálogo institucional, mas o gesto de recusa foi interpretado como parte de uma atitude deliberada de insubordinação. Segundo relatos, Garnier expressou ao alto comando da Marinha sua insatisfação com a vitória de Lula e manifestou vontade de deixar o posto antes da posse. O episódio foi debatido internamente no colegiado dos almirantes de esquadra, do qual Olsen fazia parte como comandante de Operações Navais.
Olsen tentou escapar do depoimento
O atual comandante da Marinha chegou a solicitar ao STF que fosse dispensado da audiência, alegando desconhecer o conteúdo da denúncia e não ter informações relevantes a acrescentar. No entanto, o pedido foi rejeitado pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. A defesa de Garnier, por sua vez, insistiu na oitiva, acreditando que Olsen poderia isentar o ex-comandante das acusações.
A estratégia, porém, acabou produzindo o efeito contrário. O depoimento de Olsen destacou justamente os atos incomuns e a quebra de condutas institucionais por parte de Garnier, fragilizando ainda mais a posição do ex-comandante diante das investigações.
O que pesa contra Garnier
Almir Garnier é apontado pela Polícia Federal (PF) como o único comandante das Forças Armadas que teria manifestado apoio explícito ao plano golpista articulado por Jair Bolsonaro e seus aliados para impedir a posse de Lula. Segundo a investigação, Garnier teria colocado tropas da Marinha à disposição do ex-presidente caso a tentativa de ruptura institucional fosse adiante.
Além disso, Garnier se recusou a passar o cargo para seu sucessor em uma cerimônia tradicional, evitou qualquer contato com o futuro ministro da Defesa durante a transição e, segundo testemunhos, expressou abertamente sua decepção com o resultado das eleições.
Essas atitudes foram acompanhadas de reuniões paralelas, fora dos canais oficiais, das quais Garnier teria participado, ainda que Olsen tenha declarado desconhecê-las na época. A própria Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que Garnier teve papel ativo ao manter as tropas aquarteladas e sob prontidão, enquanto Bolsonaro e aliados discutiam estratégias de intervenção militar.
Olsen nega ordens para golpe
Apesar das evidências contra Garnier, Olsen afirmou que não recebeu qualquer ordem fora da legalidade durante o período de transição.
“Em momento nenhum houve ordem, mobilização ou planejamento de empregar veículos blindados que impeçam ou restrinjam o exercício dos Poderes constitucionais”, afirmou ao STF.
Ele também negou ter participado de encontros com teor golpista:
“Eu ignorava a realização dessas reuniões. Só tomei conhecimento quando as notícias dessas reuniões vieram a público”.
Quebra de liturgia é sinal de alerta
O depoimento de Olsen, ainda que negando a mobilização de tropas, escancara o comportamento atípico e politicamente motivado do ex-comandante Garnier. Em um momento sensível da democracia brasileira, a recusa de um alto oficial em respeitar a liturgia da transmissão de poder — incluindo o gesto simbólico da continência — é mais do que uma anomalia: é um sinal de desprezo pelos princípios constitucionais que sustentam a autoridade civil sobre os militares.