11 de outubro de 2024
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Lula visita Alcântara, faz acordo com quilombolas e cria empresa

Por Raimundo Borges

O Imparcial – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará nesta quinta-feira (19) em Alcântara, no Maranhão, para oficializar o Termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos relacionados ao Acordo de Alcântara e encerrar uma pendenga jurídico-social que se arrasta há longas décadas.

O acordo prevê a destinação de 9,2 mil hectares para o Programa Espacial Brasileiro, enquanto o governo abrirá mão de reivindicar 78,1 mil hectares de terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas de Alcântara. Durante o evento, o governo também anunciou a criação da empresa pública ALADA, voltada para o desenvolvimento do setor aeroespacial.

A cerimônia está marcada para as 12h, na Praça da Matriz, com a presença de uma equipe de ministros e técnicos, cientistas e militares das Forças Armadas, principalmente da Aeronáutica, responsável direta pelo Centro de Lançamentos Espaciais. O presidente também visita a comunidade quilombola de Mamuna e sobrevoa outras áreas quilombolas, como as agrovilas de Marudá e Pepitau. Lula cumpre uma demanda social que se arrasta desde a desapropriação em 1980, de um imenso território de 52 mil ha para acomodar as instalações do centro de lançamentos.

Alcântara tem um longo histórico de revezes sociais e econômicos insuperáveis, desde o apogeu da cidade nos séculos 18 e 19 até a decadência. Em 1948, o interventor do Maranhão Paulo Ramos transferiu a penitenciária de São Luís para Alcântara e a instalou na antiga Casa de Câmara e Cadeia, um monumento histórico, hoje reduzido a ruínas. Os presos passaram a andar soltos pelas ruas, afugentando a população pela intranquilidade. Como cidade histórica e rica, por pouco Alcântara não recebeu a visita do imperador D. Pedro II. E a cadeia só foi desativada em 1965, pelo governo José Sarney e transferida para Pedrinhas, em São Luís.

Abandonada, Alcântara viu seu conjunto arquitetônico ser vandalizado, com peças históricas e sacras roubadas de suas igrejas e dos imóveis. Tornou-se uma cidade turística, cujo maior atrativo é o conjunto arquitetônico e a tradicional festa do Divino Espírito Santo – herança do período português. Estimulado pelas pesquisas que indicavam Alcântara como “melhor lugar do mundo” para lançamentos espaciais em razão de sua geografia está sob a linha do equador, em 1980, no governo militar, foramdesapropriados 52 mil ha e expulsas 32 comunidades para agrovilas sem infraestrutura, impactando 300 famílias de pescadores quilombolas.

A questão científica e social em paralelo virou tema para pesquisadores, roteiristas de filmes, livros e inúmeros estudos sociológicos. Enquanto isso, a Aeronáutica, dona do CLA, construiu seu campo de lançamentos, com inúmeros experimentos e foguetes de pequeno porte levados ao espaço, ora com interveniência dos Estados Unidos, ora da Ucrânia. Até a china já demonstrou interesse pelo projeto de Alcântara, atingido pela maior tragédia científica-espacial em 2003, quando toda a estrutura da base explodiu, três dias antes do lançamento do VLS1, matando 21 cientistas e técnico. Foi o suficiente para alimentar teorias da conspiração, de suposto boicote americano ao Centro Espacial.    

Interferência da OIT

O regime militar que concebeu o projeto foi extinto, a democracia renasceu, vários governos falaram, apoiaram ou abandonaram o CLA, mas a promessa de resolver as questões dos quilombolas persiste uma demanda cara. Em 2023, a  Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomendou que o Brasil titule os territórios quilombolas de Alcântara. A Convenção 169 da OIT prevê consulta livre, prévia e informada sobre projetos e medidas que afetem povos indígenas e comunidades tradicionais. O presidente Lula, que tem dado atenção como nenhum outro governo a esses povos, mais uma vez, vai visitar os quilombolas alcantarenses.

Portanto, o presidente Lula estará cumprindo a primeira recomendação da história no país feita pela OIT, ligada à ONU, sobre comunidades quilombolas, feitas em 2019 contra a violação dos direitos dessas populações, decorrente do CLA. No período, o governo vem tentando ampliar a área de influência do Centro, inclusive com o próprio estado brasileiro reconhecendo a violação de direitos das comunidades. São várias recomendações da OIT, dentre as quais um comitê tripartite com a presença do governo, trabalhadores e empregadores da área. Enquanto isso, o tema sobre o CLA continua, agora com a construção de um porto em Alcântara e uma ferrovia ligando-o à Norte-Sul. Desta vez, as ruinas de Alcântara ficarão para a história com seu povo respeitado.

O Centro Especial de Alcântara está localizado em Alcântara, a cerca de 30 quilômetros de São Luís. A base de lançamentos completou 40 anos de história.

Plataforma do Veículo Lançador de Satélites (VLS) no Centro de Lançamento de Alcântara, em foto de 2013Fonte: (Força Aérea Brasileira)

Pertencente à Agência Espacial Brasileira (AEB), o local é atualmente operado pela Força Aérea Brasileira (FAB). A base de Alcântara teve sua construção iniciada em 1982 e inaugurou suas operações de logística um ano mais tarde, em 1983.

Voltada para o lançamento de veículos espaciais para fora da atmosfera terrestre, incluindo foguetes, sondas e satélites, a base de Alcântara tornou-se inteiramente operacional em 1989, com o primeiro envio sendo feito em 1990, quando o foguete Sonda 2 XV-53 realizou os primeiros experimentos científicos em uma missão suborbital.

Região estratégica

O CLA foi instalado em uma região estratégica que é uma das melhores do mundo para se lançar foguetes ao espaço: está muito próximo à linha do Equador, a uma distância equivalente a apenas dois graus de latitude, e isso é importante por diversas razões.

A primeira delas é que a velocidade de rotação da Terra na altura do Equador favorece a propulsão dos veículos lançadores, contribuindo para uma economia significativa dos combustíveis propelentes utilizados nos foguetes, diminuindo gastos em até 30%. Isso se deve também ao fato de que, como a Terra é um esferoide oblato (isto é, achata-se à medida que as latitudes se aproximam dos polos), a linha do Equador está mais próxima do espaço e mais distante do centro da Terra, diminuindo tanto o percurso de ida quanto a força da gravidade que precisa ser vencida para tirar algo do chão.

Vista aérea do Centro de Lançamento de Alcântara, localizado no Maranhão Fonte: Força Aérea Brasileira

Além disso, a base de Alcântara possibilita lançamentos para todos os tipos de órbita; as horizontais, que seguem as faixas equatoriais, e as verticais, que seguem as faixas polares. A região de Alcântara possui ainda duas outras grandes vantagens: um baixo fluxo de tráfego aéreo e marítimo, que aumenta a segurança nas áreas de impacto que foguetes de múltiplos estágios necessitam, e as condições climáticas do Nordeste brasileiro possibilitam um clima estável, com ventos em índices aceitáveis e chuvas bem definidas que permitem lançamentos em praticamente qualquer época do ano.

Em agosto de 2003, a base foi palco de uma das piores tragédias da história da ciência e tecnologia brasileira: três dias antes do lançamento do primeiro satélite de fabricação nacional, o foguete Veículo Lançador de Satélites (VLS), que faria a viagem ao espaço, explodiu, matando 21 pessoas entre técnicos, cientistas e engenheiros.

O VLS passava por ajustes finais da Torre Móvel de Integração (TMI) quando uma ignição acidental de um dos motores resultou na explosão do protótipo. Esse acidente atrasou o funcionamento e o uso eficiente do CLA por meses, não apenas por conta dos danos estruturais, mas sobretudo pelas perdas humanas que compunham boa parte dos principais especialistas do país à época.

Diversos projetos e acordos nacionais e internacionais têm sido implementados nos últimos anos com objetivo de garantir, além de parcerias comerciais com outras empresas espaciais governamentais e privadas, uma evolução constante desta base que possui, sem dúvidas, um potencial gigantesco para ser um dos principais centros de lançamento espacial do mundo.

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