Por que ‘inflação da picanha’ preocupa cada vez mais brasileiros (e Lula)
Na barraca de carne em uma feira na Zona Oeste de São Paulo, a vendedora Rose Tragl, de 47 anos, conta que está com medo de espantar a freguesia se repassar para os clientes todo o aumento de preços do seu fornecedor nos últimos tempos.
“Aquele filé de costela era para custar R$ 79,90 o quilo, mas mantivemos em R$ 69,90 para não perder o cliente”, diz a feirante.
“Nosso lucro fica menor, mas, ao menos, a gente mantém a clientela.”
O preço da carne subiu 7,54%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), divulgado nesta terça-feira (26/11) pelo IBGE. O levantamento foi realizado entre 12 de outubro e 12 de novembro.
No acumulado dos últimos 12 meses, a inflaçãoatingiu o patamar de 4,77%, puxada pelo aumento nos alimentos e nas tarifas de energia elétrica.
Isso exige, na prática, um ajuste na mesa dos brasileiros no dia a dia e, especialmente, nas festas de fim de ano que estão chegando.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o preço dos alimentos vem subindo por três fatores principais: o clima, a economia brasileira aquecida e a valorização do dólar.
Os analistas apontam ainda que a expectativa para os próximos meses é que os alimentos continuem a encarecer.
Isso preocupa não só o cidadão comum, especialmente os mais pobres, que sentem o maior impacto no bolso.
Mas também acende um alerta para o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que voltou ao Planalto prometendo que a economia ia melhorar e que o brasileiro ia “voltar a comer picanha”.
Agora, a “inflação da picanha” que os brasileiros sentem na pele pode ter reflexos diretos na popularidade do seu governo — e nas ambições políticas do presidente e do PT daqui a dois anos.
Por que os alimentos estão mais caros?
André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), explica que duas razões principais puxaram o preço dos alimentos para cima: fatores climáticos e a valorização do dólar.
“As secas deste anoatingiram algumas safras agrícolas e a pecuária, aumentando os custos de produção”, explica Braz.
Com o clima mais seco e os incêndios ocorridos na Amazônia, Pantanal e
Cerrado, a área de pastagem foi reduzida, e a produção de insumos usados na criação do gado, como a soja, também.
“Isso afetou diretamente no custo da produção de carne”, pontua o economista.
O preço da carne também foi impactado por um aumento da demanda em duas frentes ao mesmo tempo: interna e externa.
No mercado internacional, a valorização do dólar deixou o preço da carne brasileira mais atraente.
“Entre janeiro e outubro deste ano houve um aumento de 30% na exportação de carne em relação ao mesmo período do ano passado”, explica Thiago Bernardino de Carvalho, coordenador da área de pecuária no Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP.
No mercado interno, o brasileiro está comprando mais carne, porque a economia está aquecida, o que faz o consumo aumentar.
Isso tem um efeito importante no preço da carne, porque é o mercado interno que tem o maior peso no setor.
“Da produção de carne brasileira, 75% ainda é para o consumo interno”, explica Carvalho.
Quando a carne fica mais cara, isso tem um impacto direto não só na inflação dos alimentos, mas no índice em geral.
Isso porque, dependendo da região do país, a cesta básica contém de 4,5 kg a 6,6 kg de carne.
Portanto, quando o preço da carne sobe, isso puxa o valor da cesta para cima também.
“Por isso, ela é a grande vilã do aumento dos preços de outubro”, explica André Braz, da FGV.
Mas esse não é o único item que tem pesado no bolso dos brasileiros.
“Observamos aumento de vários produtos ao mesmo tempo”, afirma Patrícia Lino Costa, supervisora da área de preços do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
“Na carne, leite, tomate, pão francês, café, óleo de soja e manteiga”, lista ela.
De fato, entre os maiores aumentos no último mês estão a laranja-lima (25%), o óleo de soja (8,38%) e o tomate (8,15%). O café subiu 2,79%, e o leite, 0,60%.
Além dos problemas já apontados por Braz, Costa acrescenta que há também questões específicas que puxam para cima o preço de alguns alimentos, como, por exemplo, o café.
“O Vietnã teve problema com a colheita do café, e a demanda internacional voltou para o Brasil, enquanto o clima não ajudou”, diz Lino.
“E o café é um produto que tem muita especulação. Já há alguns meses o café vem subindo muito por causa disso.”
Inflação maior para os mais pobres
O impacto desse aumento nos preços dos alimentos é sentido de forma diferente conforme a faixa de renda.
Nos cálculos do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea), para as pessoas de renda mais baixa, cuja renda familiar é de até R$ 2.105,99, a inflação em outubro ficou em 4,99%, ao passo que para os mais ricos, que têm uma renda de mais de R$ 21.059,92, o índice ficou em 4,44%.
Maria Andreia Lameiras, técnica do Ipea, explica que isso ocorre porque a renda de uma família afeta seu perfil de consumo e o peso que cada item tem no orçamento da casa.
As famílias mais pobres gastam sua renda basicamente com alimentos, despesas de habitação (como as tarifas de água, luz e gás), e com transporte público, explica Lameiras.
Ou seja, sempre que há um aumento forte no preço dos alimentos ou da luz, isso afeta mais as famílias mais pobres.
“A inflação dos mais pobres hoje está maior porque o ano de 2024, assim como 2023, foi um ano de alta de preço de alimento”, diz a técnica do Ipea.
Enquanto isso, a parcela do orçamento que os mais ricos gastam com alimentos e energia é muito menor do que a dos mais pobres.
O que afeta mais o bolso dos mais ricos são aumentos nos preços dos serviços, incluindo mensalidade escolar e plano de saúde, despesas pessoais, como empregada doméstica, alimentação fora de domicílio, passagem aérea, hotel e cabeleireiro.