9 de julho de 2025
Geral

Jornalistas espanhóis no Maranhão

Um jornalista espanhol relata sua experiência no Maranhão em uma viagem de imprensa organizada pela Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo), entre os dias 8 e 12 de maio.

David Del Valle, jornalista e Representante na Espanha da Euronews, a televisão europeia de notícias

São Luís é o ponto de partida da viagem de um grupo de três jornalistas espanhóis para conhecer outra faceta turística do Brasil. É difícil chegar até aqui vindo da Espanha. Primeiro, tivemos que pegar um voo de Madri a São Paulo. Dez horas e meia de trajeto e uma conexão para São Luís que perdemos por causa de atraso e overbooking. Passamos a noite em um hotel na grande capital, com mais de 11 milhões de habitantes, até o voo seguinte às 7h25 da manhã. Com apenas quatro horas de descanso, fomos cedo ao aeroporto e percebemos o jeito tranquilo e calmo dos locais, ao contrário de nós, europeus estressados e inquietos com as longas filas nos balcões de check-in. Para nós, caos e desorganização; para eles, total normalidade.

Nos olhamos e entendemos que o melhor a fazer é se adaptar ao ambiente e relaxar. A serenidade de Marina, jornalista brasileira da agência parceira da Embratur e responsável por garantir que tudo saísse bem, nos ajudou muito nessa tarefa. Conseguimos, e em pouco mais de três horas chegamos à única cidade brasileira fundada pelos franceses. Primeira conclusão: falta conectividade, um entrave para o desenvolvimento do turismo. Não se pode demorar 14 horas para chegar ao destino final. No entanto, há outra porta de entrada para o nordeste do Brasil por Fortaleza, com voo a partir de Lisboa; a Iberia também planeja voos para esse destino a partir de janeiro de 2026. Segunda conclusão: as distâncias são imensas porque este país é imenso. Estamos em um país continental onde cabem 17 Espanhas e toda a Europa, que é menos de dois terços do tamanho do Brasil (sem incluir a Rússia e a Turquia).

Gastronomia e mistura de culturas

A caminho do hotel, o guia Alexandre, um brasileiro de Fortaleza que viveu muitos anos na Espanha e que nos acompanhará durante todos esses dias, nos contextualiza e nos anima a aproveitar esta viagem de cinco dias com os cinco sentidos. O paladar é o primeiro a ser ativado em um restaurante local com o famoso arroz de cuxá, peixe frito e casquinha de caranguejo. Durante todo o nosso percurso, que nos levará de São Luís a Santo Amaro, passando pelos Lençóis Maranhenses, Barreirinhas e Atins, vamos desfrutar da gastronomia da região com seu arroz misturado com a folha ácida vinagreira e seus camarões, sua caranguejada, um delicioso guisado com farofa, vinagrete e arroz, e sua peixada maranhense, peixe temperado e cozido no azeite com especiarias e ovos cozidos, entre muitos outros pratos. Terceira conclusão: a gastronomia maranhense é intensa e deve ser apreciada aos poucos, sem pressa.

Nosso guia nos fala da mescla de culturas africana, europeia e indígena , dos franceses, holandeses e portugueses que forjaram uma cidade com muitas marcas suas. Comprovamos isso mais tarde, após visitar a catedral, no centro histórico, na rua Portugal, com o maior acervo de azulejos portugueses fora de Portugal. E também na rua Catarina Mina, uma homenagem à força da mulher africana que soube se antecipar ao seu tempo. Essa mistura cultural se reflete perfeitamente no Museu da Gastronomia Maranhense. Quarta conclusão: a cidade é um caldeirão de culturas, com 70% da população de origem africana.

Percebemos que a música faz parte da cultura dos moradores de São Luís. “É a Jamaica brasileira, nos confirma o guia, que destaca o reggae como sua principal marca cultural. Comprovaríamos isso no último dia com a visita ao maior Quilombo Urbano da América Latina. Caminhamos por suas ruas e nos deparamos com A Esquina Bob Marley, um mural do rei do reggae que é um dos pontos mais visitados. Ao fundo, ouve-se sua música e, em frente, dois dançarinos dançam o agarradinho, uma forma sensual e própria da região de dançar o reggae, bem coladinhos. Um de nós até tentou dançar com a bailarina, mas os quadris espanhóis não ajudaram muito. O grupo de jornalistas terminou dançando reggae à sua maneira, mas a experiência foi inesquecível. Depois, assistimos a uma dança afro-brasileira com tambores e percussão no Bumba Meu Boi de Leonardo, com o boi Liberdade como pano de fundo ele morre e renasce. Dois dos jornalistas também participaram da apresentação, vestidos como as bailarinas, girando até ficarem tontos. Novamente, mostramos nossa pouca habilidade na dança no Da Floresta, onde arriscamos alguns passos sem muito sucesso. Quinta conclusão: o ritmo musical corre nas veias do povo maranhense. Após tanto esforço, almoçamos na casa do premiado chef Gopa, vencedor do Prêmio Dolma, considerado o Oscar da gastronomia brasileira, que nos encantou com um de seus pratos principais, o vatapá, feito com óleo de buriti.

Lençóis Maranhenses: Paraíso natural único

A parte central da nossa viagem é a visita ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO em 2024. Entramos no primeiro dia por Santo Amaro, após quatro horas de estrada. Desde o início, a beleza e singularidade do lugar nos impressionam. É um espetáculo visual que deixa todos boquiabertos dentro da jardineira (um 4×4), com capacidade para até 12 pessoas. Dunas de areia branca banhadas por lagoas de água doce, ao longo de 155.000 hectares três vezes a cidade de Madri , que podem chegar a até 40 metros de altura. O vento, que bate no nosso rosto, faz com que as dunas estejam em constante movimento, mudando de forma e lugar. Assim tem sido nos últimos 10.000 anos: areia, vento e chuva moldando a paisagem. Estamos com sorte porque hoje não chove, e podemos aproveitar uma caminhada a pé (descalços) pelo circuito Emendadas e um banho em uma das 5.000 lagoas naturais que se formam na estação chuvosa (de fevereiro a abril/maio). A sensação de pisar na areia sem se queimar é muito agradável e a caminhada é bem tranquila, pois as nuvens e o vento suavizam o sol e o calor. A água doce e cristalina da lagoa está a cerca de 28 graus e chega até o nosso abdômen.

Nesta época do ano, há poucos turistas e podemos desfrutar plenamente do local e tirar fotos de sonho. Os meses mais movimentados são os secos, julho e agosto, quando, segundo um motorista, chegam a circular até 200 jardineiras pelas dunas. Nesse período, o nível da água baixa e diversas atividades aquáticas são realizadas; de novembro a janeiro, as lagoas secam e toda a vegetação emerge. Todos os anos, o Parque Nacional atrai mais de 100 mil turistas, muitos brasileiros, argentinos e uruguaios. Entre os europeus, os que mais visitam são os franceses. Sexta conclusão: os Lençóis Maranhenses são um paraíso natural único.

Na volta, nos preparamos para um jantar suntuoso em uma pousada-restaurante da cidade (Casa Ipê). No trajeto, vemos o contraste entre o paraíso das dunas e os hotéis de luxo com as casas dos moradores locais. Quase escondida, a pousada-restaurante é um local exclusivo que conta com heliponto para seus visitantes ilustres. Seu proprietário nos recebe com muita simpatia e nos mostra um lugar digno de admiração.

Sétima conclusão: esse contraste entre os que mais têm e os que menos têm é uma constante nesta região e, por extensão, no Brasil, como nos explicaram.

Vida natural em Atins

Nossa próxima parada é Barreirinhas, a cerca de 260 quilômetros de São Luís e, talvez, a porta de entrada mais popular do Parque Nacional. Esse município, com cerca de 65 mil habitantes, lembra uma cidade da Índia, cheia de motocicletas com pessoas sem capacete. Vamos direto pegar uma lancha que nos levará até Atins, uma pequena vila de pescadores que, neste momento, só pode ser acessada de barco pelo rio Preguiças, de 120 km de extensão, em um trajeto de mais de uma hora. A localidade está situada entre as dunas do Parque Nacional, o delta do rio Preguiças e o Oceano Atlântico. É um lugar estratégico para os amantes do surfe e ideal para explorar o parque, por sua proximidade com as dunas. A vida neste vilarejo parece ter parado no tempo, longe do desenvolvimento turístico de Barreirinhas. Cerca de 1.100 famílias vivem às margens do rio e próximas às dunas, em cabanas e casas simples. Os moradores vivem da pesca e do cultivo de pequenas roças. Três famílias locais, muito orgulhosas de seu modo de vida natural, nos mostraram tudo. Vivem do que cultivam e formam comunidades solidárias. Nos ofereceram seus quitutes em uma casa-restaurante e pudemos comprovar que seus pratos incorporam ingredientes de suas colheitas.

No geral, mantêm suas tradições e costumes, muitos também ligados à espiritualidade, passados de geração em geração um verdadeiro choque de realidade para nós, europeus, que vivemos com muito mais do que precisamos. Além disso, graças ao trabalho do biólogo Jarmeson Lindos Pereira, morador da região, conseguiram aproveitar os resíduos orgânicos para fazer compostagem e gerar adubo natural que dá vida às plantações. Mais ainda, esse adubo fortaleceu os manguezais e ajudou a evitar que a água do rio e do mar invadissem suas casas. Oitava conclusão: a riqueza natural e as tradições, junto com uma economia sustentável, fazem deste lugar um espaço mágico.

Depois desse banho de realidade, nos hospedamos no hotel Atins Charme Chalés, um refúgio de paz com cabanas de luxo que nos encantou. Novamente, o contraste: dentro, puro luxo e decoração impecável; fora, ruas de areia por onde circulam, despreocupadas, vacas magras e moradores de chinelo. Voltamos às dunas, desta vez a partir de Atins, e notamos que aqui a areia é mais dourada. Paramos e tomamos banho em uma lagoa. O motorista nos traz cadeiras, e nos sentamos à beira da piscina natural, cercados por uma paisagem lunar impressionante. Sentimo-nos privilegiados por desfrutar desta maravilha da natureza. Para encerrar a experiência nas dunas, planejamos um piquenique no topo de uma delas, mas a chuva e o vento desta vez impediram. Voltamos correndo com a chuva nos açoitando no 4×4, encharcados até os ossos. Nona conclusão: a chuva tropical é intensa e implacável.

Brasil, além dos estereótipos

No dia seguinte, o retorno a Barreirinhas de lancha é mais rápido. Estamos encerrando nossa aventura e voltamos a São Luís por estrada. Entre piadas e músicas brasileiras e folclóricas espanholas, as horas passam rapidamente na van onde estamos sete pessoas: o motorista Carlos, o guia Alexandre, as jornalistas brasileiras da Embratur e da agência, Marília, Suelly e Marina, e os jornalistas espanhóis Pedro, Alina e o autor deste relato. Fazemos um balanço e chegamos à décima conclusão: o Brasil é muito mais do que carnaval, samba, futebol, praia e Rio de Janeiro. Possui paraísos únicos como os Lençóis Maranhenses, que vale a pena descobrir e que podem impulsionar um turismo de qualidade, gerando mais riqueza para o país. Atualmente, o turismo representa 8% do PIB brasileiro, gerando 7,3 bilhões de dólares, segundo a Embratur.

Ao mesmo tempo, nos perguntamos: como é possível que este país atraia apenas 6,6 milhões de turistas por ano? Algumas possíveis respostas surgem: falta de conectividade aérea, infraestrutura insuficiente, estradas mal desenvolvidas, ausência de trens, pouca cultura turística (a população está preparada para o turismo em massa? sabem valorizar a importância de seu patrimônio cultural?), insegurança, voos domésticos caros

Da Europa, os turistas vêm principalmente de Portugal, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha. Os que mais visitam o Brasil são argentinos, norte-americanos e uruguaios. O país quer alcançar mais de 8 milhões de turistas em dois anos. Só o tempo dirá. O que é certo é que nossa experiência em uma parte do nordeste do Brasil, no estado do Maranhão, e em especial nos Lençóis Maranhenses, nos abriu os olhos e nos apresentou a uma realidade que antes não víamos.

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